sábado, 15 de janeiro de 2011

CRÔNICAS DE DASLAN MELO LIMA

                       MEU PRIMEIRO REFERENCIAL DE CARNAVAL
 

                Daslan Melo Lima


          Mais do que em outras épocas do ano, é no carnaval que me lembro de certo carnaval em São José da Laje, a cidadezinha alagoana onde nasci. Eu era criança e estava no quintal da minha casa quando ouvi uns ritmos contagiantes. Corri para ver o que era. Mulheres exageradamente maquiadas, animadíssimas, com vestes coloridas, dançavam e cantavam.

"Arreda povo / que as vencedoras vem aí / com a sua marcha fulô... /// Arreda povo / que as vencedoras vem aí /   com suas marchas formosas / somos madeira para reagir.  /// É fogo! / É  lenha! / É brasa! / É carvão! / Nós somos Vencedoras, madeira de fogão. /// É fogo! / É brasa! / ninguém pode apagar /  nós somos as vencedoras /  a flor do carnaval..."

          Extasiado diante de tantas cores, sons e animação, voltei correndo ao encontro da minha mãe e implorei para que ela viesse comigo até à janela  ver o bloco “As Vencedoras” que estava passando. Chorando, ela recusou e disse: “É por causa delas que estou sofrendo”. Elas eram as “mulheres perdidas” da Rua da Linha, as puaras, e alguma delas seria amante do meu pai.

         Fiquei dividido entre as cenas do carnaval e o pranto de minha mãe. O impacto emocional, somado a outros problemas decorrentes da turbulenta vida conjugal dos meus pais, marcou para sempre a minha vida. O primeiro carnaval que presenciei sempre esteve associado a sofrimento, lágrimas, pecado... 

            Há muito tempo que aprendi a administrar minhas emoções e a sofrer menos diante de lembranças amargas. Mas para chegar até aqui perdi muitas cores... muitos sons... muitos carnavais.

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    TIMBAÚBA, A MAGIA DA PEDRA DO DESCANSO



No pequeno distrito timbaubense que tem por nome Livramento do Tiuma, mas que todos conhecem como São José do Livramento, distante poucos minutos do centro de Timbaúba, existe uma paisagem mágica: a Pedra do Descanso.  Segundo os moradores antigos da localidade, no início do século passado as pessoas se jogavam do alto da pedra para ficarem livres dos seus sofrimentos, para "descansarem".
De outro ângulo da localidade, Timbaúba aparece lá embaixo, majestosa entre as serras,  digna do nome "Princesa Serrana."

Estive recentemente na Pedra do Descanso, onde renovei minh'alma de sonhos, romances, fantasias e Fé.  Generoso é o nosso DEUS, que de graça nos dar paisagens como a da Pedra do Descanso. Misericordioso é o nosso DEUS. As almas das pessoas aflitas que se jogaram no abismo estão lá no alto, em alguma morada do PAI, cumprindo uma nova missão em outra dimensão. 
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TEDY E JUDY, EM NOME DAQUELA MATINÊ 

     Na tela do cinema, dois lindos atores juvenis viviam os papéis de um casal de adolescentes, amigos, felizes, românticos.  A personagem do ator chamava-se Tedy e a da atriz  Judy. Não recordo os nomes dos atores e o título do filme, um dos primeiros que assisti em um domingo, numa matinê, nome dado na época às sessões da tarde.  Durante a projeção, desejei entrar na tela, dar as mãos a Tedy e a Judy e com eles ficar lá, num mundo mágico de sonhos e fantasias, para sempre.
 
      
     Na adolescência, achei no lixo um bibelô de porcelana. Levei-o para casa e dei-lhe o nome de Tedy.  O tempo correu. Há dez anos, durante um final de semana em Gravatá-PE, encontrei em um antiquário a parceira perfeita para Tedy.  Comprei-a e batizei-a  com o nome de  Judy. Desde então, Tedy e Judy permanecem  juntos  sobre um móvel da minha casa.
     O tempo corre. Suspeito que meus bibelôs sobreviverão ao meu corpo físico. Serei pó antes deles.  E quando isso acontecer, desejo que os meus descendentes respeitem essas pequenas recordações do menino sonhador que um dia eu fui. Deixem Tedy e Judy sempre juntos , em nome daquela minha matinê de um domingo que se foi, para sempre se foi.
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OLHA A COCADA, MORENINHA, BRANQUINHA, MOLINHA E GOSTOSA


     O progresso ainda não acabou com a poesia de algumas cenas que perduram ao longo dos anos em Timbaúba-PE. Quase todos os dias, o Sr. Antonio Luiz da Silva, 60 anos, casado, dois filhos, morador do Alto do Cruzeiro, desce o morro para vender cocadas nos bairros afastados do centro da cidade. 
      "Olha a cocada, moreninha, branquinha, molinha e gostosa", apregoa ele, de alto e bom som. Uma cocada custa 25 centavos e o que o vendedor lucra reforça o orçamento doméstico. 
     De vez em quando, compro suas cocadas, nem sempre para lanchar, mas para reencontrar o menino que um dia eu fui. E para sentir pena dos adultos que esqueceram o sabor dos doces singelos e caseiros, como as cocadas moreninhas, branquinhas, molinhas e gostosas do Sr. Antonio.





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INSENSATO CORAÇÃO

     Estou acompanhando a nova novela da Globo, Insensato Coração. Algumas tramas da televisão são as caras dos dramas da vida real.  Na novela, Pedro Brandão, personagem vivida por Eriberto Leão,  apaixona-se por Bruna (Paola Oliveira),  nas vésperas do casamento com Luciana (Fernanda Machado). A  consciência  do Pedro não permite que vá adiante, e ele rompe o noivado.
     Fico imaginando quantas festas de casamentos foram realizadas como se fossem um show, uma peça de teatro, com os noivos em conflito por seus  corações indecisos e muitas vezes comprometidos com outro alguém. Não tenho dúvida que existem casais felizes e  fiéis e que  unidos continuarão até que a morte os separem. Mesmo assim, acho estranho aquele famoso juramento que ele e ela recitam no altar:
"Eu (...) te recebo (...) e prometo ser fiel , amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, por todos os dias da nossa vida, até que a morte nos separe"

     O juramento é lindo, mas esse termo "até que a morte nos separe" soa como hipocrisia. Para os nossos pobres corações de seres humanos, cumprindo aqui no Planeta Terra uma  complicada missão, à mercê dos mistérios da vida e da morte, da carne e da alma, entendo que o juramento ideal de uma cerimônia de casamento seria  o Soneto de Fidelidade, de Vinícius de Moraes, mais adequado para o nosso insensato coração.
De tudo ao meu amor serei atento / Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto / Que mesmo em face do maior encanto / Dele se encante mais meu pensamento. /// Quero vivê-lo em cada vão momento / E em seu louvor hei de espalhar meu canto / E rir meu riso e derramar meu pranto / Ao seu pesar ou seu contentamento ///
E assim, quando mais tarde me procure / Quem sabe a morte, angústia de quem vive / Quem sabe a solidão, fim de quem ama /// Eu possa me dizer do amor (que tive):/ Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure.

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                                              RUA DO ZUMBI, 12 

     Há muitos anos, o menino que um dia eu fui passava por essa rua diariamente. Na frente da casa em ruínas, destroçada pela inundação do ano passado que atingiu São José da Laje-AL, choro em silêncio.  Foi nela que morou Lizete Macedo de Melo, minha amada e inesquecível tia. 
     Espero que ninguém das imediações se espante quando no silêncio da noite ecoar um lamento. É o lamento do menino que um dia eu fui, andando de pés descalços pela Rua do Zumbi e entrando na casa número 12 ao encontro dos mistérios da vida e da morte.
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NINGUÉM ME IMPEDIRÁ DE SONHAR



     Durante recente festa, encontrei vários conterrâneos-contemporâneos desacompanhados dos seus cônjuges, por dois motivos predominantes:  viuvez e  divórcio. Mas havia outro motivo: seus esposos e esposas acharam melhor ficar em casa do que irem à festa.   
     No mesmo evento, entre os conterrâneos-contemporâneos acompanhados,  encontrei  minha prima Rosa e seu esposo Ranulfo Caldas, um dos casais da minha geração que continuam juntos. O primeiro presente que Rosa ganhou do namorado foi um disco de vinil, um LP da cantora Giane, então no auge do sucesso, nos mágicos anos sessenta. Na minha última viagem a Alagoas, levei de lembrança para Rosa um cd da cantora Giane.  Os olhos de Rosa brilharam de emoção ao mostrá-lo ao Ranulfo, e logo passaram a cantarolar e relembrar as músicas  que marcaram suas vidas.
     Sonhar não é proibido. Apesar dos desencontros e desilusões que fazem parte da caminhada de todo ser humano, ainda acredito em grandes amores e sonho com um mundo de ventura. Tal como nos versos de "Longe do Mundo" (The End of the World, de Dee e Kent, versão de Fred Jorge) , uma antiga canção interpretada por Giane, ninguém me impedirá de sonhar.
     Só me restou amargura, depois de ouvir teu adeus. / Só eu sei como é fácil dizer que um dia hei de te esquecer. / Quando a saudade caminha e vem minh´alma encontrar, / deixo então a saudade rolar na pranto que por ti vivo a sonhar. /// Talvez um outro amor te enlouqueça, te envolva e te abrace com calor, / mas sei tu és meu, nesse mundo irreal, que vives sonhos de amor. /// Lá onde mora a ventura, em um jardim de luar, / sei que irei outra vez te encontrar, / ninguém me impedirá de sonhar.

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O PARAÍSO DO MUNDO

     "A terra natal, mesmo que seja uma aldeia, é sempre o paraíso do mundo", disse Machado de Assis (1839-1908), escritor e poeta carioca.
     Recentemente, estive em São José da Laje,  a cidadezinha alagoana onde nasci. Sou um romântico-sentimental incorrigível. Para mim, o Rio Canhoto e seu imenso leito de pedras, cenário mágico da minha infância, é a mais bela paisagem do Planeta Terra. 
     São José da Laje é uma pequena aldeia, mas continua sendo o paraíso do mundo para o menino que um dia eu fui, e que continua ao lado do homem que sou. 

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CONFIDÊNCIAS DO SOL

     Um homem passa imprindo velocidade em seu carro possante rumo à praia. O  Sol é causticante, mas o ar condicionado anula o intenso calor que lá fora faz.

     Um homem caminha lento rumo ao seu trabalho no canavial. O Sol é causticante e a poeira aumenta o intenso calor que na estrada faz.

     Estou de férias e na mesma estrada passo,  ouvindo confidências do Sol. Ele me diz que o homem que no carro voa tem inveja da pele naturalmente bronzeada  do homem que na estrada passa. Por sua vez, o homem que na estrada passa gostaria de estender-se sob o Sol  de uma praia.

     Eu, o homem do carro e o homem do canavial. Três destinos incomuns. Em comum, a condição humana e este momento numa estrada que leva à praia.
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 QUERIDA, UMA CANÇÃO NA TARDE
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     Final de mais uma tarde morena  em Timbaúba. Acompanhado de Rock’n Roll, meu cão boxer de cinco meses de idade, faço minha caminhada diária. Tenho inveja do meu cachorro. Ele não sabe que morre a cada dia. Só eu, na condição de ser humano, envolvido com os mistérios da vida e da morte, é que sei  que morro a cada dia.
     Uma bela voz na tarde interrompe minhas inquietações existencialistas.  Um homem no bairro Jardim Guarany canta Querida, o maior sucesso da carreira de Jerry Adriani.
"Querida, quero lhe dizer,  / que toda a minha vida entreguei a você. / Procure olvidar o que lhe fiz, / Querida perdoa-me, / Querida  não vá.”
     O homem está no terraço de sua casa, em pé, e ao seu lado, numa cadeira de balanço, uma mulher com cara de quem chorou. Trata-se de um casal idoso, a cena é teatral e a vontade que tenho é de perguntar o que aconteceu. Mas continuo minha caminhada torcendo para que haja um final feliz para a dupla.
"Oh, Querida relembre os momentos tão felizes / que juntinhos passamos sob a luz do luar. /
Diga ao menos meu bem, / que de mim não tem mais rancor, / pra que eu possa esquecer todo o meu amargor.
     Contorno todo o bairro de Jardim Guarany e na volta, ao passar pela residência do casal, observo com alegria que ele e ela estão juntos, tranqüilos, na janela, como dois namorados. Abençoado seja esse homem e essa mulher que sabem contornar os altos e baixos de uma longa caminhada a dois e que sabem fazer concessões em nome dos sentimentos investidos na relação.
     Apresso meu passo e  começo a recitar baixinho um trecho da música do Jerry Adriani. Inexplicavelmente, meu cachoirro começa a latir. Suponho que esteja querendo penetrar nos meus segredos e que esteja dizendo  que os humanos são complicados demais.
     "Oh, Querida, você não sabe como eu me sinto em não tê-la mais ao meu lado. / Minhas noites são tão frias, / minhas horas tão vazias. / Mas se voltasse, se você voltasse, tão feliz eu seria.”
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DE CARA LAVADA, DE ALMA LAVADA


     - "Você é igualzinho como aparece nas fotos. O mesmo rosto, sem photoshop", disse-me uma pessoa quando a ela fui apresentado. Satisfeito com a observação, respondi: - "De que adiantaria externar uma imagem ilusória? Não vale a pena. Isso se aplica ao aspecto físico e ao espiritual."   

     Tenho o maior respeito por quem opta em publicar suas imagens depois de as mesmas passarem por um tratamento especial, mas acho que não vale a pena. Outro dia, o redator de um site perguntou se poderia postar uma foto  minha na internet e aplicar um efeito para retirar alguns sinais do meu rosto. Respondi que não e que preferia assumir o resultado do excesso de melanina, próprio de quem tem pele negra, herança dos meus ancestrais africanos. 

     Se você paga um preço muito alto por ser você mesmo, preço mais alto ainda pagaria para se enquadrar num perfil diferente daquele que o destino lhe deu. Essa foi a lição mais dolorosa e mais importante que a Vida me ensinou.

     De cara lavada, com o rosto marcado por sinais, sem photoshop, eis como quero que minha imagem seja publicada. De alma lavada, externando no olhar marcas de charadas indecifráveis e saldos de sonhos/pesadelos/ilusões/desilusões/encontros/desencontros/amores e desamores, eis como desejo dar aos mãos aos anjos e aos demônios da minha caminhada.

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3 comentários:

  1. O menino continua.A poesia existe por causa desse menino.Abraços, Japão

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  2. Comentário de José Maria Mattos, de Maceió-AL

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    Incrível como de uma simples situação você faz uma "auê" mais do que formidável. Gostei muito da crônica, até porque o Jerry Adriani foi o meu ídolo na Jovem Guarda e essa música foi de todos...

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  3. Olá! meu caro conterrâneo.

    Olha, Já acompanho seu blog há algum tempo e cada vez que leio suas postagens fico maravilhado, principalmente com o seu amor por nossa querida São José da Laje. Saiba que pessoas como você é que nos faz também sentir orgulho de nossa terra.

    Parabéns pelas crônicas de um modo geral, pois você está formidável em todas. Fico feliz de saber que existe um Lajense como você.

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