Por Daslan Melo
Lima
“Minha
vitória é a contribuição que dou à juventude brasileira. Quero aproveitar o
título para divulgar a imagem do Brasil pelo mundo, mostrando que meu país é o
melhor lugar da terra para se viver. Dedico o Miss Mundo-71 a meu povo alegre e
trabalhador.” Estas foram as primeiras palavras pronunciadas por Lúcia Tavares Petterle depois de posar
como Miss Mundo-71 ao lado de Miss Reino Unido, Marilyn Ann Ward, e Miss
Portugal, Ana Paula Almeida,
respectivamente segunda e terceira colocadas.
Foi com muita
emoção que eu li aquele pronunciamento na revista Fatos & Fotos, um dos sucessos editoriais da época, ao lado de Manchete e O Cruzeiro, revistas que dedicavam espaços generosos para os concursos
de misses. Eu era jovem, trabalhava há um ano numa grande empresa e me sentia incluído
no discurso proferido pela Miss Mundo 1971. Recife foi a
primeira cidade brasileira que Lúcia Petterle visitou após chegar de Londres.
Eu tinha lido em um jornal que ela iria marcar presença em uma unidade do grupo de lojas “Casas Pernambucanas”, na Rua Nova, centro da cidade. Recife na
época era a terceira maior cidade do Brasil e a a movimentada e elegante Rua Nova era o mais
chique endereço de consumo.
Encontrei coragem
para dar uma desculpa ao meu chefe e me dirigi até ao centro do Recife. Consegui
entrar na loja após driblar a multidão e um batalhão de seguranças, fotógrafos,
jornalistas e cinegrafistas. Um senhor alto e forte gritou que a Miss Mundo não teria condições de
conceder autógrafos a cada um e que os fãs deveriam se contentar em receber das
mãos dela apenas um pequeno poster. Enfrentei a fila e me vi ali, mudo,
extasiado,diante de uma deusa. Apesar do intenso barulho ao redor, quando estendi
minha mão para receber das mãos da Miss Mundo o pequeno cartaz publicitário com
a sua foto, Lúcia Petterle fitou meus
olhos profundamente e abriu um sorriso para mim como se eu fosse a única pessoa
do mundo ali presente.
Quando Lúcia
saiu da Rua Nova foi passar a tarde no bairro de Apipucos, onde teve uma longa conversa com o sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987), autor de “Casa Grande &
Senzala”, que lhe deu de presente um exemplar do seu livro “Sociologia da
Medicina.” . Em seguida, procurou pessoas ligadas ao turismo em Pernambuco para
conseguir material de propaganda. Em entrevista à imprensa ela tinha dito:
“Fiquei muito triste em Londres, quando senti que não sabem nada sobre nós. Quero
mostrar que o Brasil não é só samba, carnaval e futebol. Isto é importante, mas
há muito mais além disto. A nossa cultura, por exemplo, é uma das mais geniais
dos nossos tempos. E eu quero mostrar o que somos para o mundo.”
Quando saí
da Rua Nova, de bem com a vida, fui apressado para o ponto de ônibus. Precisava
voltar logo para a empresa onde trabalhava, a fim de não ser prejudicado no meu
emprego. No pequeno cartaz que recebi da nossa
Miss Mundo 1971 está escrito: "Nós fizemos um monte de coisas bacanas só para
estar mais perto de você: criamos crediário, secção de roupas masculinas,
embelezamos todas nossas lojas. Agora trazemos a Miss Mundo para você vê-la de
perto. Ela está aqui por sua causa. Linda, linda. O seu sorriso fica de
lembrança: guarde-o para você.”
Nos últimos
dias de 1971, Lúcia Peterlle recusou-se a passar as festas de fim de ano no
Vietnam, onde faria uma série de apresentações para os soldados americanos ao lado do ator comediante Bob Hope (1903-2003). Em vista da sua recusa, foi
proibida de usar o título de Miss Mundo para fins comerciais. As divergências
entre a Mecca, empresa promotora do concurso, e Lúcia Petterle tinham chegado a
um ponto crítico. A brasileira não queria ficar presa a um contrato rígido que
prejudicaria o seu curso de medicina. E como nada em nossas vidas acontece em vão, se os soldados americanos no
Vietnam deixaram de conhecer Lúcia Petterle naquele dezembro de 1971, estava
predestinado a mim, um jovem sonhador, e à tarde quente do verão recifense,
conhecer uma Miss Mundo no esplendor de sua juventude e beleza.
Este poster com o sorriso de Lúcia Tavares Petterle, Miss Guanabara, vice-Miss Brasil e Miss Mundo 1971, fica como
presente natalino para todos os leitores e todas as leitoras de PASSARELA
CULTURAL. Guardem esta imagem com carinho, assim como eu guardei em um dos meus álbuns de recortes, e no meu coração, durante todos estes
anos.
*****
É Daslan, Lúcia Petterle é uma daquelas misses que não se encontram mais nos concursos de miss.Inteligente, classuda, elegante, linda e com ideais bem definidos de servir a humanidade e não de tirar proveito do título.
ResponderExcluirTornou-se uma respeitada cirurgiã neuro-pediátrica e continua residindo no bairro do Leme, vizinho de Copacabana.
Adorei sua crônica e obrigado por este presente de Natal.
Uma ótima semana.
Muciolo Ferreira - do Recife
Esta matéria é uma das crônicas pré-Sessão Nostalgia. Foi escrita há alguns anos e postada na época em vários sites especializados em concursos de Miss. O texto atual foi repaginado, a fim de plasmar melhor a forma.
ResponderExcluirMuito grato pela atenção e um Dezembro iluminado para todos os leitores e leitoras de PASSARELA CULTURAL.
Daslan Melo Lima, quarenta e um anos depois de Lucia Petterle ter sido eleita Miss Mundo.
Volto a afirmar que tenho inveja, uma inveja no bom sentido, de quem viveu a época dos anos 50/60/70.
ResponderExcluirE parabéns, DASLAN, por sua generosidade em nos dar de presente este lindo poster.
C.Rocha de Floripa
Eu vesti as roupas das Casas Pernambucanas. Eu era menino de grupo escolar quando Lucia Peterle foi Miss. Lembro do jingle da loja" não adianta bater eu não deixo você entrar, as Casas Pernambucanas é que vão aquecer o eu lar, vou comprar flanelas, lãs e cobertores eu vou comprar". Saudade na gente é bom. A Recife desde tempo devia ser genial. As misses desse tempo eram o proprio glamour. Um tempo de esplendor e glória para as Misses do país. Valeu, Daslan.
ResponderExcluirDaslan,
ResponderExcluirO problema de Lucia com a Mecca, organizadora do concurso, foi a cláusula 13 do contrato, que estabelecia um prazo de três anos com a nossa miss presa ao Miss Mundo. Lucia falava bem o inglês e entendeu tudo o que estava escrito. Ela se recusou a assinar. Disse que só assinaria contrato de um ano, que seriam férias. Depois voltaria à Medicina. Ela não assinou o contrato nem reinou pela organização. Não perdeu o título, mas todas as viagens e contratos foram por conta própria. Não passou o título porque quebrou o braço e o médico proibiu a viagem Rio-Londres. Em 2003, perguntei a Lúcia se isso não teria sido um blefe. Ela me garantiu que não, que tinha mesmo quebrado o braço.
Mas a rebeldia da nossa miss valeu um chá no Buckingham com a Rainha Mãe, quando ela ganhou de presente a bolsa de estudos para a especialização, que ela utilizou anos depois.
Um abraço,
Roberto Macêdo