sábado, 1 de dezembro de 2012

SESSÃO NOSTALGIA - AQUELE DEZEMBRO E O SORRISO DA MISS MUNDO 1971


 Por Daslan Melo Lima

                                   
          “Minha vitória é a contribuição que dou à juventude brasileira. Quero aproveitar o título para divulgar a imagem do Brasil pelo mundo, mostrando que meu país é o melhor lugar da terra para se viver. Dedico o Miss Mundo-71 a meu povo alegre e trabalhador.” Estas foram as primeiras palavras pronunciadas por Lúcia Tavares Petterle depois de posar como Miss Mundo-71 ao lado de Miss Reino Unido, Marilyn Ann Ward, e Miss Portugal, Ana Paula Almeida, respectivamente segunda e terceira colocadas.

        Foi com muita emoção que eu li aquele pronunciamento na revista Fatos & Fotos, um dos sucessos editoriais da época, ao lado de Manchete e O Cruzeiro, revistas que dedicavam espaços generosos para os concursos de misses. Eu era jovem, trabalhava há um ano numa grande empresa e me sentia incluído no discurso proferido pela Miss Mundo 1971. Recife foi a primeira cidade brasileira que Lúcia Petterle visitou após chegar de Londres. Eu tinha lido em um jornal que ela iria marcar presença em uma unidade do grupo de lojas “Casas Pernambucanas”, na Rua Nova, centro da cidade. Recife na época era a terceira maior cidade do Brasil e a  a movimentada e elegante Rua Nova era o mais chique endereço de consumo.

         Encontrei coragem para dar uma desculpa ao meu chefe e me dirigi até ao centro do Recife. Consegui entrar na loja após driblar a multidão e um batalhão de seguranças, fotógrafos, jornalistas e cinegrafistas. Um senhor alto e forte gritou  que a Miss Mundo não teria condições de conceder autógrafos a cada um e que os fãs deveriam se contentar em receber das mãos dela apenas um pequeno poster. Enfrentei a fila e me vi ali, mudo, extasiado,diante de uma deusa. Apesar do intenso barulho ao redor, quando estendi minha mão para receber das mãos da Miss Mundo o pequeno cartaz publicitário com a sua foto,  Lúcia Petterle fitou meus olhos profundamente e abriu um sorriso para mim como se eu fosse a única pessoa do mundo ali presente.

      Quando Lúcia saiu da Rua Nova foi passar a tarde no bairro de Apipucos, onde teve  uma longa conversa com o sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987), autor de “Casa Grande & Senzala”, que lhe deu de presente um exemplar do seu livro “Sociologia da Medicina.” . Em seguida, procurou pessoas ligadas ao turismo em Pernambuco para conseguir material de propaganda. Em entrevista à imprensa ela tinha dito: “Fiquei muito triste em Londres, quando senti que não sabem nada sobre nós. Quero mostrar que o Brasil não é só samba, carnaval e futebol. Isto é importante, mas há muito mais além disto. A nossa cultura, por exemplo, é uma das mais geniais dos nossos tempos. E eu quero mostrar o que somos para o mundo.”


         Quando saí da Rua Nova, de bem com a vida, fui apressado para o ponto de ônibus. Precisava voltar logo para a empresa onde trabalhava, a fim de não ser prejudicado no meu emprego. No pequeno cartaz que recebi da nossa Miss Mundo 1971 está escrito: "Nós fizemos um monte de coisas bacanas só para estar mais perto de você: criamos crediário, secção de roupas masculinas, embelezamos todas nossas lojas. Agora trazemos a Miss Mundo para você vê-la de perto. Ela está aqui por sua causa. Linda, linda. O seu sorriso fica de lembrança: guarde-o para você.”

           Nos últimos dias de 1971, Lúcia Peterlle recusou-se a passar as festas de fim de ano no Vietnam, onde faria uma série de apresentações   para os soldados americanos ao lado do ator comediante Bob Hope (1903-2003). Em vista da sua recusa, foi proibida de usar o título de Miss Mundo para fins comerciais. As divergências entre a Mecca, empresa promotora do concurso, e Lúcia Petterle tinham chegado a um ponto crítico. A brasileira não queria ficar presa a um contrato rígido que prejudicaria o seu curso de medicina. E como nada em nossas vidas acontece em vão, se os soldados americanos no Vietnam deixaram de conhecer Lúcia Petterle naquele dezembro de 1971, estava predestinado a mim, um jovem sonhador, e à tarde quente do verão recifense, conhecer uma Miss Mundo no esplendor de sua juventude e beleza.


          Este poster com o sorriso de Lúcia Tavares Petterle, Miss Guanabara, vice-Miss Brasil e Miss Mundo 1971, fica como presente natalino para todos os leitores e todas as leitoras de PASSARELA CULTURAL. Guardem esta imagem com carinho, assim como eu guardei em um dos meus álbuns de recortes, e no meu coração, durante todos estes anos.  

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5 comentários:

  1. É Daslan, Lúcia Petterle é uma daquelas misses que não se encontram mais nos concursos de miss.Inteligente, classuda, elegante, linda e com ideais bem definidos de servir a humanidade e não de tirar proveito do título.

    Tornou-se uma respeitada cirurgiã neuro-pediátrica e continua residindo no bairro do Leme, vizinho de Copacabana.

    Adorei sua crônica e obrigado por este presente de Natal.

    Uma ótima semana.

    Muciolo Ferreira - do Recife

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  2. Esta matéria é uma das crônicas pré-Sessão Nostalgia. Foi escrita há alguns anos e postada na época em vários sites especializados em concursos de Miss. O texto atual foi repaginado, a fim de plasmar melhor a forma.

    Muito grato pela atenção e um Dezembro iluminado para todos os leitores e leitoras de PASSARELA CULTURAL.

    Daslan Melo Lima, quarenta e um anos depois de Lucia Petterle ter sido eleita Miss Mundo.

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  3. Volto a afirmar que tenho inveja, uma inveja no bom sentido, de quem viveu a época dos anos 50/60/70.

    E parabéns, DASLAN, por sua generosidade em nos dar de presente este lindo poster.

    C.Rocha de Floripa

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  4. Eu vesti as roupas das Casas Pernambucanas. Eu era menino de grupo escolar quando Lucia Peterle foi Miss. Lembro do jingle da loja" não adianta bater eu não deixo você entrar, as Casas Pernambucanas é que vão aquecer o eu lar, vou comprar flanelas, lãs e cobertores eu vou comprar". Saudade na gente é bom. A Recife desde tempo devia ser genial. As misses desse tempo eram o proprio glamour. Um tempo de esplendor e glória para as Misses do país. Valeu, Daslan.

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  5. Daslan,

    O problema de Lucia com a Mecca, organizadora do concurso, foi a cláusula 13 do contrato, que estabelecia um prazo de três anos com a nossa miss presa ao Miss Mundo. Lucia falava bem o inglês e entendeu tudo o que estava escrito. Ela se recusou a assinar. Disse que só assinaria contrato de um ano, que seriam férias. Depois voltaria à Medicina. Ela não assinou o contrato nem reinou pela organização. Não perdeu o título, mas todas as viagens e contratos foram por conta própria. Não passou o título porque quebrou o braço e o médico proibiu a viagem Rio-Londres. Em 2003, perguntei a Lúcia se isso não teria sido um blefe. Ela me garantiu que não, que tinha mesmo quebrado o braço.
    Mas a rebeldia da nossa miss valeu um chá no Buckingham com a Rainha Mãe, quando ela ganhou de presente a bolsa de estudos para a especialização, que ela utilizou anos depois.
    Um abraço,

    Roberto Macêdo

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