Daslan Melo Lima
Esta semana, mais uma pausa no
resgate das histórias das nossas Misses, a fim de dar lugar a uma entrevista com outro leitor assíduo
desta secção. Ele é Quintino Medeiros, graduado em História pela UFRN-Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Mestre em História, Cultura e Sociedade pela UFCG-Universidade
Federal de Campina Grande, pesquisador, professor universitário, natural
de São João do Sabugi, Rio Grande do Norte.
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PASSARELA CULTURAL
– Como começou a sua paixão pelas misses?
QUINTINO MEDEIROS
– Penso que algumas coincidências fortuitas contribuíram para isso. Uma delas:
em 1976, a Miss Rio Grande do Norte foi Eliane Maria Rocha de Azevedo, do
município de Jardim do Seridó, cuja mãe era natural da minha cidade, São João do
Sabugi.
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Eliane Maria Rocha de Azevedo, Miss Rio Grande do Norte 1976, falecida no dia 26/04/2018, data em que estaria celebrando 60 anos de idade.
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Um primo dela era meu colega de escola e presidia o Grupo de
Adolescentes vinculado à Igreja Católica, do qual eu também participava. Para
arrecadar recursos para o grupo, foram feitos concursos de beleza em 1977 e 78,
em que as crianças e adolescentes competiam, mas também coordenavam, tudo sendo
feito por elas, sem a participação de adultos. Eu ajudava na confecção dos
trajes típicos, pois tinha habilidades para a produção de adereços e, assim,
fui adentrando no chamado “universo-miss”. Ainda: em 1979, quando eu tinha 13
anos de idade, Marta Jussara da Costa foi eleita Miss Brasil, o que trouxe
bastante visibilidade para esses certames no Rio Grande do Norte, com muitas
matérias sendo veiculadas na imprensa falada e escrita do Estado.
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Marta Jussara da Costa, Miss Rio Grande do Norte, Miss Brasil, quarto lugar no Miss Universo 1979.
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Lembro-me
que, em minha cidade, uma moça vestida com maiô, manto, cetro, faixa e coroa
desfilou em carro alegórico na parada cívica de Sete de Setembro, representando
Marta Jussara. Colecionei todas as reportagens sobre a Miss Brasil 1979 e
passei a juntar tudo o que encontrava sobre o assunto, constituindo um
considerável acervo. A partir daí, simultaneamente, passei a realizar esses
eventos em minha cidade e, certo tempo depois, a conduzir representantes municipais
aos concursos regionais e estaduais.
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PC – Quais as suas
misses inesquecíveis?
QM – Minhas misses inesquecíveis são:
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Vera Lúcia Couto dos Santos, Miss Guanabara, Vice-Miss Brasil, terceiro lugar no Miss Beleza Internacional 1964.
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Martha Vasconcellos, Miss Bahia, Miss Brasil, Miss Universo 1968.
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Marta Jussara da Costa, Miss Rio Grande do Norte, Miss Brasil, quarto lugar no Miss Universo 1979.
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Adriana Alves de Oliveira,
Miss Rio de Janeiro, Miss Brasil, quarta colocada no Miss Universo 1981. Três anos depois, Adriana foi eleita Miss Brasil Mundo e ficou entre as semifinalistas (Top 7) do Miss Mundo 1984.
Ilma Julieta Urrutia Chang, Miss Guatemala, semifinalista (top 10) no Miss Universo 1984, primeira colocada no Miss Beleza Internacional 1984.
Aishwarya Rai, Miss Índia, Miss Mundo 1994.
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PC – Qual a garota
mais injustiçada do Miss Rio Grande do Norte?
QM – Liz
Fernandes, em 2008, fez a melhor entrevista do Top 5, e tinha excelentes
qualidades estéticas, mas parou no Top 3. Penso que deveria ser a Miss Rio Grande do Norte ou a
sua vice naquele ano.
PC – Uma Miss Rio Grande do Norte que teria sido uma maravilhosa Miss Brasil.
QM – Valéria Bohn,
em 1997. Foi vice no Miss Brasil,
perdendo para Nayla Micherif, e depois fez sucesso como modelo.
PC – Uma Miss
Brasil que teria sido uma maravilhosa Miss Universo.
QM – Marta
Jussara da Costa, Miss Brasil 1979.
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PC – Qual a Miss Rio Grande do Norte mais injustiçada do Miss Brasil?
QM – Valéria Bohn,
Miss Rio Grande do Norte 1997.
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PC – Qual a
brasileira mais injustiçada do Miss Universo?
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PC – Fale um pouco
da sua experiência como produtor de concursos de beleza em sua cidade.
QM – Esse tem sido
um hobby muito caro, porém realizador. Moro num município potiguar muito
pequeno, localizado no sertão do Seridó, sem empresas e instituições
interessadas em patrocinar esse tipo de efeméride. Chamo de passatempo
exatamente porque a minha relação com o mundo-miss dá-se por afinidade, gosto e
idealismo, sem profissionalização nem busca de rendimentos financeiros. Para a
realização dos certames locais, invisto recursos meus, peço a colaboração dos
amigos e conterrâneos, além de contar com o apoio de uma equipe de voluntários
que sua a camisa e se doa muito. Enquanto isso, o custeio das participações de
representantes locais em certames regionais e nacionais é inteiramente feito
com recursos próprios, com o auxílio de um ou de outro amigo de boa vontade. De
qualquer modo, apesar dos prejuízos materiais, os ganhos intangíveis têm sido
consideráveis: a autoestima despertada em jovens sertanejas; a oportunidade
que possibilito às mesmas; as histórias de superação que as vejo
protagonizarem.
PC – Quais as
críticas construtivas que faria à coordenação do Miss Rio Grande do Norte?
QM – O concurso
Miss Rio Grande do Norte deu um salto de qualidade com a entrada de George Azevedo na
coordenação, a ponto de obter excelentes classificações das representantes
potiguares na última década, o que fez o Estado ser mais respeitado no espaço habitado
por misses e missólogos. Ficou mais moderno, dialogando com o mundo da moda e
obtendo maior visibilidade. Sei que isso tudo se deu com o enfrentamento de
muitas dificuldades, porque o lugar dos potiguares é pobre de recursos e
patrocínios para esse tipo de empreendimento. Mas, ao mesmo tempo em que louvo
o êxito alcançado, creio que as fórmulas – mesmo as de sucesso – precisam ser
frequentemente alteradas, balançadas, renovadas, para que as janelas abertas
permitam entrar novos ares, refrescando o ambiente. Confesso que, às vezes,
imagino uma reviravolta partindo de dentro do concurso, trazendo um revival
inovador ou uma novidade antiga, por mais contraditórios que esses conceitos
possam parecer.
PC – Quais as
críticas construtivas que faria à Bee Emotion? Que sugestões daria para que o
Miss Brasil voltasse a atrair o interesse da população brasileira, tal como
acontecia nos áureos tempos do concurso?
QM – É muito
difícil, talvez impossível, fazer com que os concursos de miss no Brasil voltem
a possuir o público que atraía em seu auge, entre os anos 1950 e 1960. A
sociedade brasileira mudou muito, ao mesmo tempo em que a indústria cultural
orientou-se mormente para o futebol, a música, a novela, et cetera. É possível
refletir que os concursos estéticos foram se engessando, à medida que o mundo
pareceu avançar; quando se percebeu, as misses estavam muito mais associadas ao
passado do que ao presente, incapazes de atrair a atenção de públicos mais
jovens. Nas últimas décadas, com a maior visibilidade do Miss Brasil na televisão,
como também com a emergência da internet, mostra-se a possibilidade de uma
retomada de público e de importância para os concursos de beleza. O ideal seria
que tal se desse num diálogo entre tradição e modernidade, mantendo-se certos
liames e ampliando-se a vista para outros horizontes. Um ponto crucial seria, a
meu ver, democratizar a participação, barateando (valor simbólico) ou extinguindo
(custo zero) as taxas de inscrição nos certames de nível estadual: os concursos
estaduais precisam ser bastante competitivos e representativos da diversidade
brasileira, acessível a todas as moças interessadas, não somente às que dispõem
de recursos pecuniários. Enquanto a beleza continuar sendo apanágio de certas
regiões, de determinados Estados, deste ou daquele biótipo, deste ou daquele
segmento social, o povo brasileiro – rico e diverso – não se sentirá
representado nem chamado a apoiá-la.
PC – A última
brasileira eleita Miss Universo foi a baiana Martha Vasconcellos, em 1968. A
que você atribui o jejum de meio século?
QM – É difícil
fazer uma análise desse jejum. Talvez o problema não possa ser encontrado
somente nos nossos defeitos e vícios, mas ainda nas qualidades e virtudes dos
outros países, nossos concorrentes. Até a década de 1960, o Miss Brasil era um dos
principais concursos de beleza do mundo e as misses brasileiras eram
reverenciadas em todas as competições estéticas internacionais. A década de 1970
iniciou o nosso calvário: a revista O Cruzeiro deixou de existir (reduzindo-se
a divulgação do Miss Brasil), os escândalos levaram ao descrédito, outros focos de
interesse apareceram na mídia. A década de 1980 foi o máximo da decadência: o
concurso nacional foi bregalizado, adquirindo o formato de show de calouros,
chegando ao cúmulo da decadência com a não realização do Miss Brasil em 1990, e a
consequente ausência no Miss Universo. Ao mesmo tempo, nesse contexto dos anos 1970-80,
apareceram no cenário mundial outras “power houses”, como Venezuela, Filipinas
e Porto Rico. Penso que colhemos os frutos dessas duas décadas, mas o século
XXI parece apontar que estamos próximos de uma nova consagração.
PC – Você
incentivaria uma garota da sua família para disputar um título de Miss?
QM – Sim, desde
que assessorada por uma boa coordenação e acompanhada por profissionais bem
intencionados. Feito assim, ser miss é uma experiência como outra qualquer,
rica e cheia de possibilidades.
PC – Você tem
algum problema em ser chamado de missólogo? O que nos diz desse termo?
QM – De modo
algum. Sei que, para muitos, ter o seu nome associado ao mundo-miss parece
criar certo embaraço ou constrangimento, o que, sem dúvida, advém dos muitos
problemas havidos nesse âmbito ao longo do tempo, em todos os níveis
(municipal, estadual, nacional), mas também à pecha de prática cafona,
ultrapassada e antimoderna que foi atribuída aos concursos em muitos lugares e
nos últimos tempos. De minha parte, valorizo a vivência que tenho nessa área,
principalmente a experiência humana de auxiliar no crescimento de outros seres
humanos, aprendendo a lidar com êxitos e frustrações, e fazendo isso com
honestidade e compaixão. Ao mesmo tempo, como historiador, sei que os concursos
de beleza surgiram na esteira da pseudo-ciência da eugenia, que tanto mal
causou à humanidade: por isso, sou um ferrenho defensor do abraço aos novos
padrões, à diversidade de cores e formas das cabeças e dos corpos coroados.
Como pesquisador, me interesso pelos temas ligados à moda e à beleza: em meu
mestrado, estudei sobre a imitação da moda francesa no sertão potiguar dos anos
1950 e adentrei pelas narrativas dos concursos de beleza. Avento a
possibilidade de investigar sobre os certames estéticos no doutorado. Eu estudo
sobre isso. Sim, sou missólogo.
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PC - A Miss Espanha que vai disputar o próximo Miss Universo é uma mulher trans. O que você tem a dizer sobre o assunto?
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PC – Deixe uma
mensagem para os leitores de PASSARELA CULTURAL.
QM – Foi uma
satisfação atender ao convite do amigo Daslan Melo Lima e compartilhar as
minhas ideias com os leitores e desfilantes desta Passarela Cultural. Este é um
espaço maravilhoso de informação e diálogo, construído por um genuíno amante da
estética, vertida e buscada nos concursos de misses. Que bebam, nesta página
virtual, do conhecimento que se necessita para amar as coisas belas,
estudando-as e procurando entendê-las sem ranço nem proselitismo.
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São João do Sabugi, no Rio Grande do Norte, a cidade natal do nosso entrevistado, foi fundada em 1832. Fica a 293 Km de distância da capital Natal. O município foi criado em 1948, quando se deu a emancipação política. A população é de 6.218 habitantes, pelo censo do IBGE/2015. Foto: correiodoserido.com.br
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Ao Quintino Medeiros, o meu muito obrigado pelas respostas dadas, uma entrevista, sem dúvida, que enriquece os arquivos da Sessão Nostalgia de PASSARELA CULTURAL.
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ResponderExcluirBom dia, Daslan
Outra entrevista, desta vez mais focada para o Nordeste, pobre região, esquecida até pelos concursos de beleza, folguedo a divertir os que gostam de um espetáculo recheado de brilho. Muitas nordestinas já foram injustiçadas.
Comentários muito bem elaborados e respondidos, à altura, pelo Sr.Quintino Medeiros, o qual não conheço, porém organizador dessa festa de luz.
J. Botafogo
ResponderExcluirOi Daslan,
bem legal essa iniciativa do titular do blog em homenagear especialistas em concursos de miss. As respostas do Quintino Medeiros bateram com algumas das minhas opiniões ao citar a Martha Jussara que teria sido uma ótima Miss Universo. Apenas uma correção: a quarta colocada do Miss Brasil de 1964 foi a Miss Pernambuco, Ana Maria Costa que no final recebeu dos jurados a mesma pontuação da Miss Guanabara Vera Lúcia Couto dos Santos mas no desempate a carioca acabou em segundo lugar.
Uma ótima semana a todos.
muciolo ferreira
Obrigado pelo seu olhar generoso, J. Botafogo. Abraço!
ResponderExcluirQuintino Medeiros
Recado para o Muciolo Ferreira:grato pela correção do meu lapso, já devidamente alterado na legenda da foto de Neli Cavalcanti Padilha, quinta colocada no Miss Brasil 1964.
ResponderExcluirUm grade abraço,
Daslan Melo Lima
Obrigado pela correção, Muciolo Ferreira. Abraço!
ResponderExcluirQuintino Medeiros.
Poucas vezes li na net respostas tão sensatas, diplomáticas e inteligentes a perguntas relacionadas ao mundo das misses e do glamour.
ResponderExcluirParabéns ao editor do blog e ao Mestre Quintino Medeiros.
Conheço Marta Jussara pessoalmente.Teria sido, sim, uma maravilhosa Miss Universo.
Renato Cláudio - Sorocaba - São Paulo.
Fico grato pelas suas palavras, Renato Cláudio. Abraço!
ResponderExcluirQuintino Medeiros
Conheço a acolhedora cidade São João do Sabugi, terra da personalidade entrevistada.
ResponderExcluirMeu pai nasceu em Caicó e tenho admiração pelo povo potiguar.
O Rio Grande do Norte é um celeiro de mulheres lindas e George Azevedo tem feito um belo trabalho à frente do Miss RN.
Respostas dignas de aplausos.
Um abraço direto de Souza, Paraíba.
Adalberto
Estou agradecido pela sua bondade, Adalberto. Abraços!
ResponderExcluirQuintino Medeiros