Texto de Muciolo Ferreira
mucioloferreira2013@gmail.com
Falar
sobre os 70 anos da televisão brasileira é o mesmo que mergulhar no universo
artístico e tecnológico nos mínimos detalhes, nuances e transformações que o
veículo passou ao longo de sete décadas. Isso levaria a intermináveis
conteúdos. O próprio tema é abrangente, sendo necessário revisitar vários
programas em épocas tão distintas do nosso país. Portanto, vou logo avisando:
esse texto não será cronológico e nem obedecerá datas. Será um depoimento
individual e personalíssimo sobre o que vi e gostei na minha telinha. Quem sabe
não coincida com a preferência de algum leitor ou leitora?
Era maio de 1967, quando uma tela parecida com um cinema
"invadiu" a sala da minha casa. Foi uma festa porque não
precisaríamos mendigar um lugarzinho na casa da vizinha de maior poder
aquisitivo para assistir desenhos, concursos de miss e bang bang americano com
os índios sendo os vilões. Até porque nem
sempre a vizinha estava de bom-humor suficiente para abrir a porta.
Durango
Kid, Perdidos no Espaço, As Aventuras do Rin Tin Tin e a atrapalhada Jeane É um Gênio entraram nas nossas vidas para
nunca ser esquecidos diante de um monitor de 21 polegadas em preto e branco da
fabricante genuinamente pernambucana ABC- Rádio e Televisão, situado em
Afogados.
Preferido
das meninas e adolescentes, o loirinho lutador
italiano, Ted Boy Marino, do Tele Cat Montilla, tinha Ibope garantido na
nossa sala, nas noites de segunda-feira,
com muita algazarra e pipoca derramada no chão ao final do programa.
Mesmo
com imagens não muito nítidas, os
programas infantis, de auditórios, os teleteatros, as novelas e os
telejornais eram apresentados por quem tinha muito talento. Isso era visível,
pois a programação era ao vivo.
Apresentadores e garotas propagandas não podiam errar o texto e nem sair do
script.
Da
televisão inaugurada por Assis Chateaubriand até a chegada da tecnologia
digital, as novelas sempre foram o "grande filão" em termos de
audiência e captação de anúncios. A partir delas, as emissoras de televisão
ganharam um público cativo, fiel e
publicidades milionárias no horário nobre, das 16 horas à meia-noite.
Na
minha casa isso não foi diferente, sempre tinha gente para ficar de oito a doze
meses acompanhando o folhetim eletrônico.
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Observando
a evolução do gênero da teledramaturgia em sete décadas, as novelas são um
espetáculo à parte por influenciar os costumes e modus vivendi do brasileiro.
Destaco quatro delas que voltaria a rever:
Beto Rockfeller, O Bem Amado, Espelho Mágico e Pantanal. Duas da Globo,
uma da TV Tupi e outra da Manchete.
Escrita
em 1968, por Bráulio Pedroso e Cassiano Gabus Mendes, e exibida na Tupi, Beto
Rockfeller foi um divisor de águas na
televisão. Revolucionou ao levar à tela o cotidiano do brasileiro que se
identificou com o anti-herói interpretado pelo ator Luiz Gustavo. Esse folhetim
mudou a linguagem e a forma de interpretação dos atores. Era o brasileiro
passando na tela. Antes de Beto Rockfeller, as novelas retratavam histórias
latino-americanas que fugiam da nossa realidade e tinham na escritora cubana
Glória Magadan a maior divulgadora dos dramalhões mexicanos e cubanos. Demitida
da Globo, Glória Magadan abriu espaço para os autores nacionais, a exemplo de
Dias Gomes, Janete Clair e Cassiano Gabus Mendes.
O
Bem Amado, de 1973, escrita por Dias Gomes, ficou marcada por ter sido a
primeira novela em cores a retratar a corrupção política no Brasil. No papel do
prefeito Odorico Paraguaçu, o ator Paulo Gracindo ganhou todos os prêmios do
público e da crítica especializada.
Já
a novela Espelho Mágico, de 1977, e também exibida pela Globo, teve a ousadia
de revelar os bastidores da vida real das novelas, sobretudo os conflitos,
intrigas e brigas entre atores, diretores, jornalistas e autores nos sets das
gravações e fora deles. Foi uma novela dentro de outra novela e muito bem
escrita por Lauro César Muniz. Teve o casal Tarcísio Meira e Glória Meneses
como protagonistas.
Novela
de maior audiência da extinta TV Manchete, Pantanal, de 1990, mostrou aos
brasileiros pela primeira vez o Pantanal, um
Brasil desconhecido da maioria. Benedito Ruy Barbosa escreveu a saga da
pantaneira Juma Marruá interpretada pela novata atriz Cristiana Oliveira, muito
bem dirigida por Jayme Monjardim.
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Na
nossa telinha os programas de auditórios, de calouros e os humorísticos tinham
lugar cativo. Chacrinha e Flávio Cavalcanti eram os preferidos. Não perdia
Chico City com os multifacetadas personagens criados por Chico Anysio. Ronaldo
Golias, Dercy Gonçalves e Consuelo Leandro mandavam qualquer tristeza embora quando surgiam.
O
diferencial no telejornalismo de ontem e
hoje é a tecnologia e a rapidez da informação. Quanto ao editorial e conteúdo,
são de acordo com a política e posição dos patrões. De resto, a televisão
possui ótimos apresentadores e repórteres, cada um puxando a sardinha conforme
o interesse da empresa
Todavia
o apresentador de telejornais que marcou a sala da nossa casa não foi
o ex-marido da Fátima Bernardes, e sim o marido de Zélia de Almeida, o
homem do vozeirão do Repórter Esso da TV Jornal do Commercio, Edson de Almeida.
Que potência de voz ele tinha! .Isso numa época em que o único recurso
tecnológico era seu próprio gogó.
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Quando
se fala dos 70 anos da Televisão Brasileira me bate uma nostalgia. Lembro dos
antigos programas locais das pioneiras
TV Rádio Clube, Canal 6, e TV Jornal do Commércio, Canal 2.
Zayra Pimentel, Miss Pernambuco 1957, cantava no programa "Você Faz o Show", de Fernando Castelão, na TV Jornal do Commercio, Canal 2. Na foto acima, diante da câmara, o cantor
Expedito Baracho. Atrás, da esquerda
para a direita, o apresentador Fernando
Castelão; Marilene Silva, ajudante de palco, que apresentava o programa ao lado de Fernando Castelão, na ausência de Lolita Rodrigues; Zayra Pimentel; Violeta Botelho e Zé de
Castelão. (Foto copiada do livro “Canta se Queres Cantar”, de Carlos Eduardo Carvalho dos
Santos.
Sinto
vontade de rever Fernando Castelão e Marilene Silva apresentando o Você Faz o Show; Marcos Macena e Nair
Silva no comando do Bossa-2; Luiz Geraldo no Noite de Black-tie; Aldemar Paiva
no Cidade contra Cidade; José Maria Marques no Meu Bairro é o Maior; Jorge Sá apresentando
A Hora do Cháu; Carmen Towar e Albuquerque Pereira como mestres de
cerimônia na era de ouro do Miss
Pernambuco; José de Sousa Alencar, o Alex, no
dominical Hora do Coquetel, ao lado de Violeta Botelho; João Alberto com
o programa diário Top Set, dividindo com Thaís Notare; Carmen Peixoto vivendo a
donzela da novela A Moça do Sobrado Grande; Florisa Rossi fazendo propaganda
das Lojas Boa Vista, "as mais famosas da cidade".
Se
Abelardo Barbosa, o Chacrinha, liderava
a audiência da televisão brasileira nas noites de quarta-feira com A Discoteca
do Chacrinha, e aos domingos no mesmo horário com "A Hora da Buzina",
no Recife quem ocupava essa posição de destaque era o apresentador Jorge Sá.
Na
mesma linha dos programas do conterrâneo global, o Programa "A Hora do
Chau" , aos sábados à tarde na TV Jornal,
tinha o mesmo formato: cenário
tropical com frutas penduradas, bailarinas com figurinos iguais às chacretes,
jurados, calouros e uma infinidade de
concursos os mais absurdos. Se gongados, os calouros eram colocados
debaixo do chuveiro e depois erguidos pelos braços de dois brutamontes
halterofilistas até sair de cena. O irrequieto ex-repórter policial do rádio e
da tv pernambucanas sorteava entre a plateia
balaios de feiras contendo gêneros de primeira necessidade. Era uma
loucura!
O
corpo de jurados era formado por gente conhecida da Rádio Jornal, da cena
teatral ou personalidades convidadas A radialista Alcinda Beltrão tinha lugar
cativo, assim como o ator e diretor de teatro, Albemar Araújo. Este era o galã
e queridinho das menininhas, e quem mais recebia cartas das fãs no meio da
semana.
Albemar Araújo, o jurado número 1 do programa A Hora do Chau, acima, declamando "Hiroshima", e abaixo com a câmera 3 do Canal 2.
Outro
destaque era o veterano radialista Mário Filho, decano do júri. A eles se
juntavam as atrizes estreantes da cena local, Rosineide Victor e Madalena Chiarelli.
Madalena era uma espécie de Elke Maravilha do programa, pois era a última
jurada a entrar em cena, e surgia
cantando músicas da Clara Nunes. Era irmã do universitário de jornalismo
Muciolo Ferreira, que também era do cast do Teatro Equipe do Recife usando o pseudônimo Cilo Montez.
Enquanto
na Globo o Chacrinha recebia uma verba milionária patrocinada pela poderosa
Casas da Banha, Jorge Sá tinha uma verba modesta da Aguardente Serra Grande, única anunciante.
Com o fim do programa, Jorge Sá se exilou
na cidade litorânea de São José da Coroa Grande onde viveria até ser chamado
para uma outra missão artística,
mas desta vez no firmamento.
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Porque
todos merecem as homenagens pelos 70 anos da televisão brasileira, mas certamente não irão aparecer na Globo ou noutra rede de televisão, o nosso tributo. Eles e elas entraram nas nossas
casas sem precisar pedir licença, e foram bem recebidos com nossa audiência.
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Esta secção é parte integrante da edição nº 756 do blog PASSARELA CULTURAL, www.passarelacultural.blogspot.com.br, a sua revista on-line semanal. ************ Editor: Daslan Melo Lima - Timbaúba, Pernambuco, Brasil. **************************** Contatos : (81) 9-9612.0904 (Tim / WhatsApp). E-mail: daslan@terra.com.br