Daslan Melo Lima
A revista Manchete de 8 de maio de 1965, Ano 13,
número 681, trazia na capa as imagens de Solange
Dutra Novelli, Rainha do IV Centenário do Rio de Janeiro, e de Vera Lúcia Couto dos Santos, Miss Renascença,
Miss Guanabara, Vice-Miss Brasil e terceira colocada no Miss Beleza
Internacional 1964. A chamada de capa sobre a guerra no Vietnam, em letras
grandes, era preocupante, mas em letras miúdas à direita do título da revista
estava escrito “As mais lindas mulatas do
Rio de Janeiro em harmonioso espetáculo com a rainha loura do IV Centenário”. Sete
páginas coloridas foram dadas à sangrenta guerra, mas dez páginas foram dedicadas à matéria Sete Mulatas e Uma Loura. Reportagem de Clóvis
Scarpino. Fotos de Gervásio Batista
e Juvenil de Sousa.
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Sete Mulatas e uma Loura
Faz 140 anos que Rugendas
descobriu os encantos das jovens mulatas brasileiras, fazendo o elogio de seus
dotes plásticos e de sua inteligência. Os poetas românticos também celebraram
as esculturais mestiças e um romancista fez correr lágrimas de damas e
sinhazinhas do Segundo Reinado, apresentando como heroína uma dessas mulatas.
Era a Isaura, de Bernardo Guimarães, flor de sensibilidade, recatada e formosa.
Mas uma coisa era a literatura e outra a realidade, com as suas barreiras e
tabus. Nos últimos anos, porém, o panorama social se transformou. Oportunidades
foram oferecidas às moças cor de canela por diversas atividades artísticas:
cinema, teatro, televisão, boates. Além de possibilidades de melhor educação,
surgiram também as de convívio social em clubes recreativos e culturais e o
acesso aos concursos de beleza. A espetacular vitória de Vera Lúcia como Miss
Guanabara e o terceiro lugar que ela conquistou em Long Beach, Estados Unidos,
são um incentivo para muitas. Aqui estão algumas que com ela rivalizam tanto em
graça como em elegância.
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Aizita Nascimento
Aizita Nascimento bateu, no ano passado, todos os recordes possíveis e imagináveis de propostas de casamento: nada menos de mil e noventa e cinco, ou seja, três por dia. Ela passou de Miss Renascença a atriz de televisão e, em poucos meses, marcou sua personalidade, fazendo dupla com Grande Otelo. Agora, vai interpretar um papel, num filme, ao lado do conhecido ator italiano Alberto Sordi.------- Aizita Nascimento, Miss Renascença 1963, foi finalista (sexto lugar, Top 8) no Miss Guanabara 1963.
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Vilma Lindamar
Vilma Lindamar vai viajar, ainda este mês, para a Itália, onde fará um curso de arte dramática. Ela foi descoberta há pouco pelo produtor e diretor italiano Giorgio Moser e acaba de rodar, na Bahia, uma série de filmes a serem apresentados na televisão daquele país. Vilma Lindamar é filha de Maria Ribeiro, a estrela do célebre filme Vidas Secas.
O broto Marlene Marques foi
eleito, há pouco, charme-girl do Renascença Clube, associação que reúne as mais
belas mulatas do Brasil e do mundo. Ela estuda piano e teoria musical e, se
quisesse, poderia ser excepcional manequim.
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Dininha Passos é mineira de
Ponte Nova mas mora em Bangu e é, portanto, autêntica “mulatinha rosada”. Ela
concluiu o curso clássico e prepara-se, agora, para fazer o vestibular de
Filosofia. Enquanto lê Aristóteles e Kierkegard, trabalha numa óptica.
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Nara Monteiro é a
organizadora do conjunto musical Só Mulatas que em breve, vai fazer furor. Ela
tocará piano e bateria, ao lado de Marlene, Marly e Dininha, responsáveis pelos
demais instrumentos. Pratica vôlei e esgrima no Clube Universitário, enquanto
se prepara para estudar Arquitetura. É alegre e desembaraçada e há quem afirme
que ela será boa compositora.
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Alice Simões
Alice Simões é a mais
provável candidata ao título de Miss Guanabara, representando o Renascença
Clube que, esse ano, espera repetir o feito de Vera Lúcia, arrebentando o
bicampeonato no Maracanãzinho. Alice, que é uma beleza, também é estrela:
estuda pintura e está organizando uma exposição a ser brevemente inaugurada nos
salões do Renascença.
-------- Alice Simões teria sido uma bela Miss Renascença, mas em 1965 o clube não apresentou candidata ao Miss Guanabara, preferindo focar sua atenção na reforma da sede do clube.
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Vera Lúcia Couto dos Santos
Vera Lúcia Couto dos Santos é rainha de porte e de tradição, mesmo porque nasceu em São Cristóvão, antigo bairro imperial carioca. Coroada Miss Guanabara e segunda colocada no concurso de Miss Brasil, ela brindou a passarela do Maracanãzinho com um movimento harmonioso, à feição de um gentil corropio, a quem deram o nome de pivot. Em seus já decorridos trezentos dias de reinado, Verinha tem vivido grandes emoções, tanto nas capitais do Brasil como em Long Beach (ali fez bonito, com um terceiro lugar) e na Argentina, onde obteve verdadeira consagração. Poucos sabem que Verinha já gravou um disco e, tão logo termine o seu mandato de soberana da beleza, vai começar uma nova e promissora carreira: a de cantora. De resto, a glória não lhe subiu à cabeça. Continua morando no Grajaú, comparece às festa do Renascença Clube e ainda pretende permanecer solteira por algum tempo.
Há um ano e meio, quando ainda não cogitava de concorrer ao título de Miss Guanabara, Vera Lúcia posou para uma reportagem fotográfica, como manequim. Na semana passada, ela tornou a desfilar, exclusivamente para MANCHETE, exibindo alguns modelos de Hugo Rocha, seu costureiro. Acrescentando um certo tom místico à sua beleza, Verinha vestiu um sari indiano, todo confeccionado em organza dourada e completou a rica indumentária com um costume milenar das mulheres da Índia: um rubi na testa.
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Síntese da beleza no cenário tropical
Síntese da beleza no cenário tropical, elas se harmonizam, apesar do contraste
A loura é Solange, Rainha do IV Centenário. A mulata é Vera, Miss Guanabara. Lado a lado, elas formam a mais perfeita e acabada síntese de beleza da mulher carioca. Juntas, seus encantos se completam e suas graças se multiplicam. Isto porque, conforme já acentuou o poeta Drummond, “...mas as coisas findas, muito mais do que as lindas, essas ficarão.”
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Fico imaginando que aquelas mulheres empoderadas, numa época onde ninguém ouvia falar essa palavra, continuam lindas e elegantes, enquanto recito Carlos Drummond de Andrade,
"...mas as coisas findas, muito mais do que as lindas, essas ficarão."
Extasiado com essa matéria que marca o retorno do Daslan Melo Lima a escrever as Sessões Nostalgia, depois de ter me proporcionado usufruir desse espaço da Missologia.
ResponderExcluirTema oportuno, imagens de mulatas que muita gente como eu ainda não tinha visto e poeticamente descritas.
Uma ode à diversidade da beleza feminina brasileira.
Parabéns.
Muciolo Ferreira - jornalista / Recife
Gostei da materia Daslan Melo Lima ... Eu gosto de ler sobre ICMS mas aprender sobre outra coisas também é muito legal.
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