Daslan Melo Lima
Natural de Campinas, SP, onde nasceu em 1º/12/1902,
mas radicada desde os sete anos de idade em Santos, SP, Maria
José Leone, ou simplesmente Zezé
Leone, tornou-se um ídolo nacional ao se eleger Miss Brasil 1922. Zezé Leone morreu no dia 30/11/1965, em
decorrência de um AVC-Acidente Vascular Cerebral. O texto e as imagens abaixo foram extraídas da
Revista do Globo, ano XXIV, nº 592,
de 08/08/1953, mostrando o anonimato em que ela vivia, trinta anos depois de
eleita a mulher mais bela do Brasil.
Na transcrição da reportagem, respeitei as
regras de ortografia e pontuação da época, tal e qual foi postada há 63 anos, a
fim de que esta matéria tenha a característica de documento de um tempo que se
foi.
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Zezé Leone: Em São Paulo,
Anônimamente
Reportagem de Daniel Linguanotto
Revista do Globo, ano XXIV, nº 592, 08/08/1953
Por ter sido o primeiro ou por
outros motivos, todos os cronistas concordam que o concurso para eleição de
“Miss Brasil”, realizado em 1922, foi o mais rumoroso. Avassalou o país. Um
deus-nos-acuda. Um impacto tremendo no “berço esplêndido”, onde madornava a
nossa vida social de país adolescente. E transformou Zezé Leone, sossegada
mocinha paulista, num ídolo nacional. Sua figurinha mignon tornou-se o símbolo
das “melindrosas”, versão antiga dos nossos “brotos”. Seu “pega-rapaz”, uma vírgula
de cabelo tombado na fronte, inspirou poetas e pintores e acabou imortalizado
no traço de Raul Pederneiras.
Se faltavam os jornais e
revistas de grande circulação; o rádio solerte; os shorts cinematográficos,
havia o entusiasmo pela novidade inventada pelos americanos. Havia o gramafone
a exaltar em maxixes e fox-trots a “beleza sem carmin” de Zezé Leone. Ainda
hoje muita gente possui aqueles pratos de cerâmica colorida, de pendurar na
parede, com a sua figurinha graciosa. Trinta anos faz isso.
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Graciosa como em 1922, a primeira Miss Brasil conserva ainda o
vestígio do antigo “pega-rapaz”, aquela vírgula de cabelo pendida na fronte.
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Hoje, posta em sossego, como se jamais tivesse experimentado o brilho
da glória, modesta e simples, fui encontrá-la em São Paulo. Zezé Leone mora num bonito
apartamento, cujo enderêço ela me pede não divulgar para não ser importunada.
“Na idade da discreção, mas ainda de boa sombra e belas côres”, como diziam os
autores quinhentistas, Zezé Leone conserva todo o gracioso encanto que fêz dela
o símbolo de beleza da mulher brasileira da década de 1920 e 1930. Quer agora,
porém, desfrutar apenas a glória do lar, anônimamente. Desfez-se dos recortes
de jornais e revistas da época, das fotografias, de todas as reminiscências.
Vive para o marido. Não tem filhos. Teve uma menina, morta em pequena.
Dedica-se com desvelo a uma sobrinha-neta nascida no dia em que o repórter a
procurou.
Cêrca de duas horas
durou a nossa conversa. Mas foi sobre generalidades, Zezé Leone não quis
responder de pronto as perguntas sobre o concurso. - Já não me lembro de quase nada da época –
desculpou-se. Deixei as perguntas por escrito. Ela iria tentar, durante os seus
vagares domésticos, respondê-las, como, de fato, respondeu-as.
Telegraficamente! As perguntas eram mais extensas do que as respostas! - Não guardo saudades – justificou. – O
concurso, o título de “Miss Brasil” me trouxeram mais aborrecimentos do que
alegria. Meus pais não se opuseram. Mas se eu tivesse uma filha, jamais consentiria
que ela concorresse a um concurso dessa natureza.
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Zezé Leone teve mais popularidade
que o então Presidente da República Arthur Bernardes. Hoje, na sua simplicidade,
faz ainda “boa sombra”.
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Não pude apurar
quais foram os seus aborrecimentos, porque esta pergunta foi respondida por escrito,
tal como está. Acredito que não se deve ao certame, pois ela confessa que foi
imensamente homenageada com recepções, bailes, festas. Recebeu todos os prêmios
prometidos. Uma casa em Santos, viagem à Europa, que por sua desistência foi transformada
em dinheiro, jóias, objetos de arte, vestidos. Fêz um filme, que se chamou “A
mais bela”, rodado em Itanhaem pela Campos Filme. Embora, de tudo, de todas as
homenagens que recebeu em 1922, apenas de uma se recorda realmente com carinho
e emoção. Foi a que lhe prestou a cidade de Campinas. E aqui Zezé Leone me pede
para fazer uma retificação “histórica”: não é santista, como se pensa. É
campineira. Daí a satisfação em receber as homenagens dos seus conterrâneos.
Em 1922, Zezé Leone
morava em Santos com a família e foi surpreendia pelos acontecimentos. “Dados aos moldes do concurso”, explica, seus pais
concordaram em que ela se inscrevesse. Escolhidas três representantes de cada
Estado, por votação popular, deveriam elas submeter-se a um júri no Rio,
composto de nomes de projeção na vida artística e intelectual do país.
Recorda-se de dois dêles: o pintor Batista da Costa e Raul Pederneiras,
professor de direito e expoente da charge na época. Foram suas companheiras na jornada
de São Paulo ao Rio, Orminda Ovale e Dorotildes Adams.
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Orgulhosa dona de casa, depois de ter jogado fora tôdas as fotos e reminiscências do concurso de 1922, vive apenas para a glória do lar.
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Tudo aconteceu meio
de repente. Chegara à Capital da República precedida, é verdade, de prestígio
que lhe dera o fato de ter sido escolhida como a mais bela paulista. Mas com
ela seguiram outras duas portadoras das mesmas credenciais. Assim quando o júri
a proclamou a moça mais bonita do Brasil... quase desmaiou! Daí em diante foi o
delírio, uma vida corrupiante que durou meses. Festas, festas, festas. E o seu
nome impresso em todos os jornais, na cêra de quanto disco rodou o país em
maxixes, valsinhas e fox-trots, exgotando a inspiração dos compositores. Glória
de embatucar o próprio Bernardes, então preocupadíssimo com os problemas do seu
governo tumultuário. Depois o filme, levando a sua beleza e vivacidade através
do celulóide e exibido em todos os “poeiras” do país. E as alegres caricaturas
da Raul na “Revista da Semana”, no “Malho”, na “Careta”: um círculo do qual
escapava uma interrogação, o “pega-rapaz”. Era o quanto bastava para o público
adivinhar a “melindrosa” Zezé Leone. Até marca de cigarros com o seu nome
surgiu. Em suma capa de todas as revistas, o “motivo” de decoração de todas as
vitrinas, o símbolo, afinal da beleza da mulher brasileira. Até há pouco tempo
havia ainda no Rio um hotel com o seu nome.
E note-se, naquele
tempo não havia os famosos e concorridíssimos desfiles em maillot! – No meu
tempo – informa Zezé Leone – o que importava era a linha do rosto. E
modestamente acrescenta que os concursos de hoje são mais “puxados”, porque
exigem perfeição de conjunto. – As moças de hoje – finaliza – são incomparàvelmente
mais bonitas que as de 1922. Creio que para isso tem concorrido a prática dos
esportes e as gentilezas da moda.
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Embora a matéria acima cite Zezé Leone como a primeira Miss Brasil, vale a pena esclarecer o que se segue:
1 - Na revista O Cruzeiro, ano XXXVII, de 22/05/1965, o jornalista Brício de Abreu (1903-1970) citou Aymée, artista de opereta e canto, francesa radicada no Rio de Janeiro, como a primeira Miss Brasil. Esse título é questionado pelos missólogos. Aymée simplesmente venceu uma enquete promovida por Gryphus, jornalista do “Diário do Rio”, para saber, entre críticos e intelectuais, qual era “ a artista mais linda do Rio de Janeiro “. Tal fato só ficou conhecido graças a uma crônica do escritor Machado de Assis (1839-1908) falando sobre a eleição.
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2 - Não há dúvida em apontarmos Violeta Lima Castro, do Rio de Janeiro, como a primeira Miss Brasil de todos os tempos, eleita em 1900.
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3 - Antes de Zezé Leone, também houve um concurso no Rio de Janeiro, do qual saiu vitoriosa Noêmia Nabuco de Castro, considerada a Miss Brasil 1912.
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4 - Depois de Zezé Leone, vieram: Olga Bergamini de Sá, do Distrito Federal (1929); Iolanda Pereira, do Rio Grande do Sul (1930); Ieda Telles Menezes, do Distrito Federal (1932); Vânia Pinto, do Distrito Federal (1939) e Jussara Marques, de Goiás (1949).
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1 - Na revista O Cruzeiro, ano XXXVII, de 22/05/1965, o jornalista Brício de Abreu (1903-1970) citou Aymée, artista de opereta e canto, francesa radicada no Rio de Janeiro, como a primeira Miss Brasil. Esse título é questionado pelos missólogos. Aymée simplesmente venceu uma enquete promovida por Gryphus, jornalista do “Diário do Rio”, para saber, entre críticos e intelectuais, qual era “ a artista mais linda do Rio de Janeiro “. Tal fato só ficou conhecido graças a uma crônica do escritor Machado de Assis (1839-1908) falando sobre a eleição.
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3 - Antes de Zezé Leone, também houve um concurso no Rio de Janeiro, do qual saiu vitoriosa Noêmia Nabuco de Castro, considerada a Miss Brasil 1912.
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4 - Depois de Zezé Leone, vieram: Olga Bergamini de Sá, do Distrito Federal (1929); Iolanda Pereira, do Rio Grande do Sul (1930); Ieda Telles Menezes, do Distrito Federal (1932); Vânia Pinto, do Distrito Federal (1939) e Jussara Marques, de Goiás (1949).
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5 - Foi em 1954, com Martha Rocha, Miss Brasil e vice-Miss Universo, que o concurso Miss Brasil ressurgiu marcando época, antes e depois da baiana com suas lendárias duas polegadas a mais nos quadris.
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Ao encerrar a última Sessão Nostalgia de maio de 2016, deixo aqui uma imagem da Zezé Leone quando era menina, e esta citação de Platão, para reflexão de você, leitor, leitora: "Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz."
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Um comentário:
Lendo o livro de Zélia Gattai,na página 164 há a citação sobre Zezé Leone. Cuitios,abri o celular e fui ler sobre a miss.
Interessante. Nada sabia sobre ela.
Depois da fama, jogar tudo fora e viver uma vida pacata.
Parabéns pela matéria.
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