PRÓLOGO
LÚCIA TAVARES PETTERLE, MISS GUANABARA 1971
Eram quarenta as moças que pisaram a passarela do Maracanãzinho numa noite muito pouco carioca (fazia frio e chovia). E quem ganhou foi justamente quem menos acreditava na vitória. Lúcia já tinha sido eleita Miss Fotogenia e se sentia realizada. Chegou até a apostar cinco cruzeiros com cada uma das suas concorrentes, como não estaria entre as quinze finalistas. Mas acontece que o destino de Lúcia Tavares Peterlle está cheio de títulos, principalmente entre os 13 e os 17 anos, quando morava em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde seu pai servia num posto militar. Agora ela está em plena guerrinha da beleza, confiante para o Miss Brasil. E já pode ir de casa à faculdade de carro. De todos os presentes que ganhou, inclusive dez mil em dinheiro, Lúcia gostou mais do último: ela mora no Leme e estuda na Piedade. (Revista Manchete, 03/07/1971)
Ela jamais teve vocação para miss. Tudo começou numa brincadeira, no Tijuca Tênis Clube. Os amigos insistiam em que ela fosse a representante do clube. Lúcia dizia que não, a turma dizia que sim. Diante de tanta pressão não teve alternativa: “Está bem gente, eu me rendo.” Foi a última a se inscrever. No dia do concurso, ao ouvir o resultado, não acreditou: “Eu fui eleita Miss Guanabara?” (Manchete, 27/11/1971)
VICE-MISS BRASIL 1971
MISS MUNDO 1971
"Minha vida é como um conto de fadas onde toda a filosofia se resume no conceito de que o bom é o belo, o belo é virtuoso, a virtude é a beleza. E Nossa Senhora também não é linda, boa e perfeita? Aqui estou nesta cidade desconhecida, neste quarto de hotel, escrevendo. Tudo é diferente. As folhas tombam lá fora e faz frio. Minhas mãos nasceram para curar, para fazer uma criancinha doente sorrir, para aliviar a dor da mãe que dá á luz, para consolar os velhos. Minhas mãos nasceram hábeis no manejo dos instrumentos que combatem doenças, são mãos guerreiras no exército da saúde. Sempre pensei assim e, contudo, aqui estou nesta cidade desconhecida, neste hotel e Londres porque minhas mãos são bonitas. Com minhas mãos bonitas eu vou curar, eu nasci para dizer que a beleza também cura."
“Ficarei contente em ser uma boa médica, ciente de que devo fazer todos os sacrifícios para curar.”
Mas antes de curar seus pacientes, com bondade, Lúcia terá que mostrar sua beleza ao mundo. Na preparação para o concurso de Londres, o maior aliado foi seu pai. Durante dias e dias o coronel e a filha sentavam se juntos para redigir discursos que enaltecessem o Brasil melhorando sua imagem no exterior. O que menos importava era a colocação que Lúcia poderia obter no concurso. O pai e o irmão, Beto, não esperavam a vitória. Para eles Lúcia é muito mais simpática, do que bonita. “O que a torna mais atraente é a sua simplicidade”, comenta o irmão, mais jovem que ela. Assim, toda a atenção era concentrada em preparar uma presença que contribuísse para criar boa imagem do país no exterior.(Manchete, 27/11/1971)
O belo corpo de Lúcia Petterle e a suave expressão do seu rosto foram decisivos para a vitória. (Manchete, 27/11/1971)
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E o Brasil aconteceu. Quase sem querer. Ela mesmo escreveu no diário:
“Vim para um concurso de beleza, se ganhar serei Miss Mundo, e ficarei muito feliz por ter ganho, porque terei mais autoridade pra proclamar aos quatro cantos que o bom é bonito, que o bonito é bom. Se perder darei um beijo de amor na testa da vencedora e meu coração não sentirá inveja porque a vencedora será formosa e o bonito é bom e o bom é bonito.Vencer, ou perder, o que importa? O importante é ter vindo a Londres, ter conhecido tanta gente interessante de tantos países, ter visto esta cidade que eu sonhava conhecer. Ainda não tive tempo de visitá-la com vagar, como desejo, curtindo cada pedacinho.
Ela impressionara bem as colegas, os promotores e os jornalistas, que elogiaram o seu desembaraço e cultura. Mas não contava com a vitória. Nas apostas de rua, a sua cotação estava na base de 25 por 1, enquanto as misses Inglaterra, Estados Unidos e Venezuela eram cotadas na base de 12 por 1. Mas quando Lúcia Tavares Petterlle assomou na passarela do Albert Hall, o pequeno grupo de brasileiros que estava ali torcendo por ela teve a certeza de sua vitória. Não só pelo calor dos aplausos que recebeu, mas também pela indiscutível classe que a distinguia das outras concorrentes.
Lúcia fora a melhor no teste de personalidade. Respondeu às erguntas num inglês perfeito e quando o mestre-de-cerimônias perguntou o que fazia, disse que era estudante de medicina. “E vai especializar-se em que?” perguntou o inglês. “Em endocrinologia” respondeu. “E o que é isto?” voltou o homem. Lúcia explicou tudo com simpatia e simplicidade. (Manchete, 27/11/1971)
Lúcia Tavares Petterle, Miss Mundo 1971. (Foto: revista TV Programas, 15/01/1972)
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A certeza da vitória confirmou-se quando o locutor anunciou sob as palmas do público: “Miss Brasil é a nova Miss Mundo.” Logo depois de receber o título, a coroa e a faixa, ela respirava fundo e a emoção quase a impedia de responder às perguntas. “Não esperava o título. Falava-se em dezenas de outras candidatas. Na minha opinião Miss Inglaterra venceria. Gosto muito de Miss Portugal, contava pelo menos com o segundo lugar para ela. Foi a maior surpresa da minha vida”.
Falando a MANCHETE, Lúcia disse que se sentia muito feliz.
“Feliz em poder proclamar que o Brasil é o país que mais se desenvolve no mundo de hoje. Desejo contribuir com meu trabalho para criar uma boa imagem do meu país em toda a parte. O Brasil é o país da liberdade, com um índice de progresso que poucos podem ostentar. Quero dizer, principalmente aos jovens de todo o mundo, que o Brasil tem uma civilização de novo tipo, que pode ser medida pelos critérios das antigas civilizações. Renovamos tudo o que nos toca. Desmentimos os pessimismos e conseguimos organizar uma nação que, dentro de dez anos, estará entre as maiores do mundo. É isto principalmente que desejo fazer com meu título e meu reinado. E não posso esquecer a minha cidade do Rio de Janeiro, que me elegeu Miss Guanabara.” (Manchete,27/11/1971)
Lúcia Tavares Petterle na capa da revista Manchete, 27/11/1971. |
Como prêmio pela sua beleza Lúcia recebeu 2.500 libras (30 mil cruzeiros), o troféu Miss Mundo e um contrato de apresentações durante um ano, o que poderá render 600 mil cruzeiros.
O Women’s Lib tentou perturbar o concurso, com passeatas e manifestações. Terminado o concurso, na saída do Royal Albert Hall um grupo de manifestantes da Women Liberation Front organizou uma manifestação contra o concurso, por elas considerado uma promoção dos “porcos reacionários”. Levando em cartazes que diziam “Não Queremos Ser belas” ou “A Beleza da Mulher é Chantagem”, as liberacionistas investiram contra 150 policiais que cercavam o Albert Hall e amassaram alguns carros, de passagem. Perguntada sobre como encarava as manifestações, Lúcia respondeu: “Estou muito contente para me importar com esta bobagem.” (Manchete, 27/11/1971)
EPÍLOGO
Lúcia Tavares Petterle não permitiu que o seu reinado atrapalhasse seus estudos e conseguiu manter o título graças a um acordo com a Mecca Promotions, organizadora do concurso. No ano seguinte, deixou de passar a faixa para sua sucessora por ter fraturado um braço. Seu medico orientou que não viajasse, pois o frio de Londres prejudicaria sua recuperação.
Lúcia Tavares Petterle em foto do ano 2000. (Imagem: Liane Neves, revista Caras, 04/02/2000)
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Conheci pessoalmente Lúcia Tavares Petterle em dezembro de 1971, no Recife. Voltei a vê-la em 2001, em Caruaru, quando foi convidada especial para a comissão julgadora do concurso Miss Pernambuco.
Há trinta e nove anos, em um quarto de hotel de Londres, Lúcia Tavares Peterlle escreveu em seu diário:
“ As folhas tombam lá fora e faz frio. Minhas mãos nasceram para curar, para fazer uma criancinha doente sorrir, para aliviar a dor da mãe que dá á luz, para consolar os velhos. (...) Com minhas mãos bonitas eu vou curar, eu nasci para dizer que a beleza também cura.”
Nesta noite do último sábado de agosto de 2010, em Timbaúba, Pernambuco, quando as folhas tombam lá fora e faz frio, rendo minha homenagem ao exemplo de inteligência, humanidade, classe e categoria que a neuropediatra Dra. Lúcia Tavares Petterle imprimiu ao seu reinado de Miss. Um reinado que se prolonga até hoje, através de suas mãos que “... nasceram para curar, para fazer uma criancinha doente sorrir, para aliviar a dor da mãe que dá á luz, para consolar os velhos. “
Mãos bonitas que eu beijei respeitosamente numa noite caruaruense.
Mãos bonitas que eu beijei respeitosamente numa noite caruaruense.
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7 comentários:
Comentário de Jefferson Souza da Costa, via "formulárioPro"
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Eis uma Miss maravilhosa que fez um bem danado à moral do concurso Miss Brasil. Seu nome engrandece a memória do concurso, tais como Vera Maria Brauner, Ieda Maria Vargas e Martha Vasconcellos, só para citar um trio que adoro.
E Lúcia é uma poetisa, a julgar pelo trecho do seu diário quando ela fala das mãos que foram feitas para curar...
É muito dificil não se emocionar com esta Sessão Nostalgia.
Um abraço.
Jefferson Costa-Pelotas,RS
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Lembro-me de uma linda garota loura, finalista no Miss GB 1971. Seu nome era Marisa Levy, que fez uma participação no filme ¨"Roberto Carlos Em Ritmo de Aventura".
Um ano depois (ou terá sido um ano antes?), Marisa foi finalista do Miss São Paulo.
Foi a classe, a tranquilidade e a inteligência de Lúcia Peterlle que fizeram a diferença em 1971.
N.M.
Copacabana
Rio de Janeiro
Comentário de Muciolo Ferreira, jornalista, Recife-PE, via e-mail
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Explêndida esta homenagem a Lúcia Pertelle, nossa única brasileira eleita Miss Mundo.
Tive o privilégio de conhece-la pessoalmente em 2002, apresentada por Miguel Braga, numa noite de sexta-feira, num restaurante do Polo Pina. Eu estava com Wilton Condé, que daria carona para a Miss Mundo até o hotel e no dia seguinte a levaria para o salão do cabeleireiro Almir da Paixão.
Lúcia estava no Recife participando de um congresso de medicina na sua especialidade que é a cirurgia neuro-pediátrica. Foram horas de conversas entremeadas por drinques regionais. Ela revelou fatos interessantes de suas participações nos concursos até a vida pessoal. Mas não vou contar...
E eis que de repente surge por acaso no local o figurinista Ricardo de Castro com um grupo de amigos. Nos cumprimentou sem perceber que em nossa mesa estava sentada uma majestade da beleza, e lhe fiz a clássica pergunta:
- "Ricardo, você sabe que é esta senhora?"
Ele olhou e imediatamene num misto de espanto, sobressalto e piscar de olho , deu um gritinho e respondeu para todo o restaurante ouvir:
- "É a Miss Mundo, Lúcia Pertelle."
Risos gerais e olhares curiosos...
...E a conversa rolou até perto das 2h da madrugada...
Animada como uma boa brasileira carioca, Lúcia me tirou pra dançar, fomos à pista e rodopiamos muito sob os olhares das pessoas. Perguntei a ela se o locutor da banda poderia anunciar sua pesença, e acenou com a cabeça que não. Respeitei.
Parabéns ao Daslan pela bela lembrança e um abraço a todos com o desejo de uma semana iluminada, como tem sido a vida da nossa Miss Mundo.
muciolo ferreira
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Parabéns Daslan, mais uma vez, por compartilhar este capítulo da nossa história.
Abraço vicentino.
Pois é pessoal, eu tive o privilégio de conhecê-la pessoalmente quando a mesma residiu em Santiago.Meu pai também militar e morávamos também em vila militar. A mesma sempre muito atraente jogava tênis no Círculo Militar.Os olhares sempre eram direcionados para a Lucia, quando a mesma saía à rua.Ela já era alta e muito bonita.Aparentava uma certa timidez.Acompanhei a sua coroação, pela revista.
interessante seu comentário!Japão.
Daslan,vc ama a Lúcia! Pelo que li,acho difícil não amá-la!Japão.
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