Daslan Melo Lima
Ângela Teresa Pereira Reis Neto Vasconcelos, Miss Paraná, Miss
Brasil 1964, seguiu para Miami Beach levando a esperança de repetir o sucesso
da gaúcha Ieda Maria Brutto Vargas,
Miss Rio Grande do Sul, Miss Brasil, eleita no ano anterior Miss Universo 1963.
Ângela Vasconcelos obteve destaque e ficou entre as semifinalistas (top 15) do Miss Universo 1964.
Diário Secreto de Miss Brasil, eis
uma das chamadas da capa da revista O Cruzeiro, de 29/08/1964, Ano XXXVI, Nº 47, que
circulou com quatro páginas contando, com as próprias palavras de Ângela
Vasconcelos, como foi sua experiência no Miss Universo. Além da reprodução das
páginas, transcrevi o texto na íntegra, respeitando a acentuação das palavras na
época.
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O CRUZEIRO –
EXCLUSIVO
Diário de uma vitoriosa derrotada
MISS BRASIL
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CONFIDENCIAL
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É a vez de Ângela falar, Miss
Brasil-64, que levou a Miami o pêso das esperanças de milhões de fãs
brasileiros, não parece – mas não parece mesmo – nem um pouco frustrada. Pelas
páginas de seu diário, que “O Cruzeiro” divulga, se encontrará a verdadeira
explicação. Ângela é o que era.
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Texto de Ângela Vasconcelos (Miss Brasil) – Fotos de
Indalécio Wanderley
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Eis o diário da nossa Miss Brasil:
“Dia 22: De cima, céu limpo, eu via Miami Beach e Miami City – as duas cidades dêste
pedaço tropical da Flórida. Tudo muito bonito, tudo novidade. Encontrei no
aeroporto um calor que eu não achava possível existir. Ieda estava lá com a sua
simpatia e o seu sorriso. Dei autógrafos aos brasileiros que me honraram com a
sua presença. Falei com a recepcionista do Miss-U, e rumamos para o Shelborne
Hotel.
Notei na viagem os “free-ways” excelentes. Não havia buracos na cidade.
Nem um só. No hotel recebi a minha faixa e me apresentaram a Miss Nevada, minha
“roomate”. Um caramelo de gente. Ficamos logo amigas. Ensinei a ela o que
queria dizer “fofoca”. Mandaram-me repousar. Não aceitei a idéia. Preferi
almoçar com as misses. Depois mergulhei na água americana da piscina. Lá já
estavam os fotógrafos brasileiros, inclusive o afável Indalécio Wanderley e o
sestroso baiano Gervásio Batista.
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Dia 23: Neste dia foi realmente
que iniciei contatos maiores. Comecei a ver as misses, a senti-las. Observei,
desde logo, uma certa impermeabilidade no Concurso, nas môças européias,
orientais e americanas. Sómente as sul-americanas transmitiam alguma coisa,
deixando escapar comunicação humana. Quando escrevo “impermeabilidade”, desejo
significar o ar de seriedade bem educada das misses e dos funcionários do
Miss-U. Eu me sentia assim como quem está em casa de cerimônia. Não cheguei a
ficar à vontade.
Miss Nevada convidou-me a conhecer Las Vegas. Ela é fã de
Frank Sinatra. Diz que o filho de Frank possui também voz encantadora.
Deitei-me um pouco tarde. Fiquei de televisão vendo um trecho de ópera. Depois
rodei para um filme de “cowboy”.
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Dia 24: Acordei, comi torradas,
geléia e bebi um café fraquinho. Minha “hostess“ é um anjo falando inglês.
Raramente diz “não” aos meus saimentos. Concordou em acompanhar-me até a
piscina. Este sol daqui parece que é mais sol. Fiquei logo queimadinha. À
tardinha estava eu a bordo de luxuosa carroçaria, ao lado de outras môças, numa
das extremidades da Flagler Avenue. Estávamos ali para desfilar. Uma tagarelice
de Babel, coisinhas em todas as línguas. Vi o gordinho repórter Ubiratan
batendo fotos de Miss Israel. O desfile só começou com o escuro das 8 horas.
Notei pouca gente na rua.
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Dia 25: Começo a perceber a falta de tempo para mim. Só há tempo para o
concurso. Ah!, os ensaios! Enormes,
massacrantes, mecânicos! Tenho agora que acordar com o canto subjetivo do galo
americano. Às 7 horas já estou de “Convention Hall” para ensaiar. Eu e todas
elas. 102 gurias do planeta Terra ali dentro, naquele quartel de aço e ar refrigerado.
Nunca vi tanta organização na minha vida. Uma organização fanática a destes americanos.
Tudo bem virgulado, um segundo para cada gesto.
Tive uma vontade forte de abrir
uma brecha de indisciplina, de remexer na teia de aranha de Tio Sam. Dominei-me
em nome do Brasil e de vocês. Aconselho a todas as futuras misses do Brasil que
façam testes de paciência e boa-vontade. Não é que os americanos sejam
impertinentes. Não diria uma inverdade destas. Mas as coisas muito organizadas
são monótonas. Ou exigem muito de civilização que eu não tenho. Neste dia
aprendi a admirar Miss Argentina, a que ficou nas 10 finalistas. Bela e
excelente. Fizemos amizade em conversa curta.
À noite fui com as outras ao
“Mahi Shrine Tenple”, uma espécie de teatro “society” de Miami. Foi a cerimônia
inaugural do Miss-U, a chamada abertura. Tôdas nós estávamos de trajes típicos.
O de Miss Tennessee era um vexame. Simplesmente meteu-se dentro de um fardo. Outra
estava de urso. Gostei da festa, do público, das crianças que concorreram ao
“Little Miss Universe”. A garotinha da Coréia, então, era um tico de graça. Fui
dormir quase 3 da manhã. Fiquei de palestrinha com Miss Nevada, a quem contei o
sentido da Revolução brasileira e coisas boas do nosso País.
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"Miss Brasil e Miss Israel, boas amigas."
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Dia 26: Hoje o dia amanheceu ainda mais atraente porque não houve ensaio no
“Convention Hall”. Fomos ao “Seaquarium” em rodada de passeio. Outras foram
para o Jardim Japonês, um parque tipo Atêrro da Glória. Fiquei vendo tubarões
comendo enormes pedaços de carne. Êles me pareceram piranhas gigantescas,
tal a voracidade do gesto de comer. Apreciei a inteligência dos botos e das
baleias. Pode haver peixe burro, mas aquelas baleias e aqueles botos eram sem
dúvida intelectuais. Deram um “show” de acrobacias. Dormi cedo, porque os
programas de TV não me prenderam a atenção.
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Dia 27: Foi o dia mais duro, mais
cansativo. Um dia em que acordei às 6 da manhã, e foi um tal de vestir maiô e
traje típico até às 6 da tarde. Às 8 tôdas nós tiramos a fotografia panorâmica,
e nos vimos – umas às outras - de maiô. Podemos
calcular melhor nossas possibilidades em relação ao Júri. Desde logo marquei as
Misses Israel, Japão, Islândia, Malásia e China – para mim as melhores.
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Dia 28: Hoje foram escolhidas as semifinalistas americanas. Não concordei com
a não-classificação de algumas. Havia louras lindas que ficaram de fora. Gostei
do “show”. O Concurso daqui é mesmo “show”. As misses são figurantes, intercalando
quadros ótimos de teatro de revista. Alguns brasileiros disseram a mim que o
meu penteado não estava bom. Discordei. É o melhor que me fica. Já tentei
outros.
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"As gregas são assim. A beleza de Miss Universo 1964, Kiriaki Tsopei, trouxe, nos tempos novos, de volta à Grécia, o têrmo padrão universal"
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Dia 29: Elegeram Miss EUA. Havia outras mais belas. A môça do Alabama, por
exemplo. Vi Miss Áustria de nervos em briga: questão da programação picada. A
loura de Viena não resistiu e abriu a comporta das lágrimas. Não registrei nada
mais de importante neste dia. Achei um tempinho para comprar um lenço colorido
na esquina.
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Dia 30: Acordei um pouco nervosa. Hoje eles escolherão as semifinalistas
internacionais. Isto quer dizer que serei julgada, analisada, votada ou não.
Eis-me, afinal, na frente do Júri, desfilando na passarela rubra. Ouço palmas,
e penso que deve ser o pessoal lá de casa, do Brasil, em função da torcida.
Alguém em português falou: “Levanta mais um pouco a cabeça!” Aceitei o
conselho. Foi com satisfação que escutei o meu nome silabado para as
semifinalistas. Bem, pelo menos não tinha ficado totalmente de fora.
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Dia 31: Hoje êles riscaram o “Convention Hall” do programa. Declararam feriado para as
misses. Permaneci longamente na piscina, no diálogo da água e das minhas
pequenas idéias. Sempre achei a água
respeitosa, uma das coisas com quem me dei muito bem em Miami. À noite eu,
minha mãe e amigos brasileiros arriscamos uma boate. Uma oportunidade de fuga,
de esquecer o sábado da coroação.
Tivemos, entretanto, de deixar a boate, a
convite, mais ou menos amigável, da direção do Concurso. Eu tinha de me
convencer de que estava dentro de uma jaula côr-de-rosa. Eu prezo tanto a
liberdade! Sempre me habituei a fazer o que quero, e sempre quero o razoável.
Não gostei de sair da boate. Não gostei mesmo.
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Dia 1: Hoje é o fim da linha. Terei de saltar do Miss-U ou viver dentro dêle
durante um ano. É evidente que lutarei, se é possível em matéria de beleza,
para fazer alguma coisa além do absolutismo da plástica.
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De cima para baixo: 1 - Miss Inglaterra. "Segunda colocada no Miss Universo 64, Brenda Blackler, não é, segundo Ângela, merecedora." ***** 2 - "Ronit Rinat ganhou um terceiro lugar para Israel. Abençoada beleza. Sangue do Povo de Deus". ***** 3 - "Siv Marta Aberg, no 4º lugar, beldade sueca." ***** 4 - "Lana Yi Yu (chinesa) 5º lugar."
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Dia 2: Procurei largar de dentro
de mim o filão nobre que todos nós temos. Fui a mais conversadeira das Misses,
a mais penetra-no-coração-dos-outros. Que poderia fazer além disso? A verdade é
que fiquei de lado. Não entrei nas cinco. Estremeci quando o
mestre-de-cerimônias não timbrou o meu nome. Mas logo me recuperei, pois estava
psicològicamente preparada para qualquer surprêsa – boa ou má. Não acredito que
o penteado tenha influído desfavoràvelmente no Júri. Eu conhecia todos os
juízes. Falei com eles. Por que seria o penteado responsável por não ter
chegado eu até às cinco finalistas?
Nos bastidores
falei com Miss Israel. Disse-me ela: “Êles não me elegeram porque eu sou israelita”.
Argumentei em contrário. Não poderia ser isto. Foi mera questão de não saber
julgar bem. Miss Áustria passou chorando rente a mim. Consolei-a. A chinesa
estava uma fervura de alegria. Abracei-a. Até a grega eu fui cumprimentar,
embora discordasse da coroa na cabeça dela. Mas à inglêsa eu não consegui dizer
“congratulations”. Não aprendi a fingir demasiado. É muito forte para mim.
Digo aqui,
com franqueza do Paraná: não aprovei a decisão do Júri. Não que quisesse para
mim o título. Mas a grega não merecia a primeira colocação. Israel era, e é,
melhor que ela. Tampouco a Miss Suécia deveria chegar ao “five” finalista. Ela
não possui dentes de miss. E a inglêsa, nem se fala. Ainda não posso crer que
ela tenha tirado o 2º lugar. Foi uma espécie de perde-ganha no “Convention
Hall”.
Escrevo isto sem inveja delas. Escrevo como observadora,
e não culpo a direção do Miss-U pelo insucesso da escolha. Julgar, eis um verbo de difícil conjugação.
Posso garantir aos que me lêem que levo saldo positivo. Muita experiência e um
gôsto bom dos Estados Unidos. Gostei de apertar as mãos de Tio Sam, mas não conseguiria
morar na sua casa. Louvo a democracia americana, o confôrto do povo, a funcionalidade
da vida. Observei, entretanto, uma certa impessoalidade nas pessoas, um tom de
neutralidade, de cimentação da alma. Creio ser o drama da máquina sobre a pessoa
humana, o massacre da essência da vida.
Não me chamem de “snob”, mas Aldous
Huxley escreveu sobre essa fronteira da civilização moderna. E o meu Exupéry
também: “Só o homem constrói a sua solidão”. Noto que os americanos precisam
novamente pisar descalços no chão. Êles são ótimos, e vivem no maior país do
Mundo. Peço desculpas pelo diário. Foi escrito sem tempo, nos intervalos do
programa. Foi escrito sem o zêlo da discrição exagerada. Deixei aqui boa dosagem
de sinceridade tropical, embora, na realidade, viva numa cidade (Curitiba) que
quase nada tem de tropical. Até já,
Ângela.”
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"A muito rôgo, Ângela aceitou posar penteada com os cabelos para o alto. É o tira-teima, diz ela. Os leitores que julguem, embora tarde."
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"Ângela aceitou a derrota com espírito de vitória. A menina paranaense é esportiva mesmo. Pensando bem, é possível que seja mais feliz assim, livre de ser acorrentada a um programa de 365 dias - ela que tanto preza a liberdade."
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Na fria noite pernambucana deste
sábado de julho, “viajei no túnel do tempo" com Ângela Vasconcelos, a linda e culta Miss Brasil 1964, através das páginas da revista O
Cruzeiro. Concordando ou não com alguns resultados dos concursos de misses, o
sonho continua. Moças lindas de todas as partes do mundo ainda sonham pisar
numa passarela em busca do título de a mais bela.
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Capa da O Cruzeiro, de 29/08/1964, Ano XXXVI, Nº 47, que circulou com quatro páginas contando, com as próprias palavras de Ângela Vasconcelos, como foi sua experiência no Miss Universo. ***** Na capa, Miss Alabama e Vera Lúcia Couto dos Santos, Miss Guanabara, Vice-Miss Brasil e terceira colocada no Miss Beleza Internacional 1964.
Vídeo completo do Miss Universo 1964