*****

SEJA BEM-VINDO ! SEJA BEM-VINDA! VOCÊ ESTÁ NO BLOG PASSARELA CULTURAL, cujas postagens, na maioria das vezes, são postadas aos sábados e domingos. Nossa trajetória começou em 02/07/2004, com o nome de Timbaconexão, como coluna sociocultural do extinto site de entretenimento Timbafest. Em 12/10/2007, Timbaconexão migrou para blog com o nome de PASSARELA CULTURAL, quando teve início a contagem de visitas. ***** Editor: DASLAN MELO LIMA - Timbaúba, Pernambuco, Brasil. ***** Contatos : (81) 9-9612.0904 (Tim / WhatsApp). E-mail: daslanlima@gmail.com

sábado, 30 de agosto de 2008

SESSÃO NOSTALGIA - Ieda Maria Vargas, o perfil de consumidor da Miss Universo 1963

Por Daslan Melo Lima

          Em 1993, trinta anos após ter conquistado os títulos de Miss Brasil e Miss Universo 1963, a gaúcha IEDA MARIA VARGAS concedeu uma entrevista exclusiva para o jornalista pernambucano Fernando Machado, publicada em 10/10/1993, na prestigiada coluna Perfil do Consumidor, que ele mantinha no Jornal do Commercio-Recife. O texto, que ora reproduzo na íntegra, foi ilustrado com uma bela foto de Ieda feita por Eduardo Queiroga.

Sua beleza é etérea. Seu carisma chegou aos dias atuais, mesmo depois de 30 anos. Sua fama atravessou fronteiras, depois de ter sido eleita Rainha das Piscinas do Rio Grande do Sul, em 62, um ano depois tirava um complexo da mulher brasileira: era eleita Miss Universo. Estamos nos referindo a senhora Ieda Maria Vargas Athanásio.
Ela entregou o título, mas nunca deixou de brilhar na imprensa brasileira. Já fez televisão em Porto Alegre, atuou na Secretaria de Turismo da sua terra e agora é uma tranqüila dona-de-casa. Já desfilou para Oleg Cassini e Guilherme Guimarães, inclusive representou sua grife nos pampas.

Ieda Maria Vargas é uma mulher elegante, bonita e acima de tudo simples. Como boa gaúcha é conservadora. Em março completou 25 anos de casada com José Carlos Athanásio e tem dois filhos. Rafael com 23 anos e Fernanda, adolescente.

No dia que venceu o Miss Universo, ficou feliz, mas encarou aquilo com muita naturalidade.Não sabe como entrou no Miss Porte Alegre,” talvez por influência dos amigos e o que é mais importante: nunca se deslumbrou com o título, “ acho que tudo isso é passageiro.”

Ieda Maria Vargas quando era Miss Universo foi convidada pelo ator Peter Sellers para atuar no cinema, mas preferiu voltar para Porto Alegre e viver com a família. Como consumidora, Ieda Vargas faz a linha Vênus, a deusa do amor e da beleza, na mitologia grega ou romana, com algumas incursões pela modéstia e com um toque de exigência. Adora comida italiana, usa Fendi, curte muito Elba Ramalho e Simone. Agora vamos conferir.



Uma Miss Rio Grande do Sul – Deise Nunes
Uma Miss Brasil – Adalgisa Colombo
Uma Miss Universo - Kiriaki Tsopei
Uma passarela que deixou saudades - desfile de modas do estilista Oleg Cassini
Perfume – Fendi
Xampu - Vidal Sassin, Estée Lauder
Desodorante – Estée Lauder
Pasta dental - A que estiver disponível no momento
Comida preferida – A italiana
E a que detesta - Fast Food, as lanchonetes em geral
Restaurante que gosta de ir - Le Cirque, em Nova Iorque
Uma mulher bonita - Kim Bassinger e Luiza Brunet
Um homem bonito - Richard Gere
A palavra mais bonita para uma mulher – Amor e sinceridade
E a mais feia - Inveja
Personagem da história mundial que gostaria de ter sido - Joana D’Arc
Livro de cabeceira - As Walkirias, de Paulo Coelho
Escritor – Sidney Sheldon, Paulo Coelho e Harold Robins
Quem gostaria que escrevesse sua biografia - Luiz Fernando Veríssimo
Um poeta – Mário Quintana
Quem levaria para uma ilha deserta – Não me imagino numa iha deserta
E quem deixaria por lá para sempre – Todos os corruptos do Brasil
Um médico - Ivo Pitanguy
Um dentista – Edla Puricelli
Um compositor – Caetano Veloso e Chico Buarque
Um cantor - Julio Iglesias
Uma cantora – Elba Ramalho
Uma peça de teatro – Phantom of The Opera
Um ator de teatro - Paulo Autran
Uma atriz de teatro – Marília Pera e Fernanda Montenegro
Melhor programa de tevê – Jô, Onze e Meia
E o pior – Por ser pior, não assisto
Um figurinista – Givenchy
Um cabeleireiro – Alexandre, de Paris
Um maquiador – Dorotéia, de Porto Alegre
Um político nacional - Atualmente, nenhum
Um político internacional- Gorbachev
Quem gostaria que compusesse uma música para você – Julio Iglesias
Um artista plástico - Iberê Camargo e Francisco Brennand
Quem gostaria que pintasse seu retrato - Aldo Malagoli
Uma fruta – Pêssego
O que não pode faltar na sua geladeira - Uma água bem gelada
Uma mulher elegante – Constanza Pascolatto
Um homem elegante - Tony Mayrink Veiga
Um mito no cinema - Ingrid Bergmann
Um monstro sagrado na moda - Chanel
Uma personalidade feminina - Margareth Thatcher
Uma cidade inesquecível - Nova Iorque
Bebida – Campari e champanha
Com quem gostaria de se esbarrar no Aeroporto Salgado Filho - Richard Gere
Marylin Monroe ou Greta Garbo - Greta Garbo
Richard Gere ou Tom Cruise - Ambos
Um homem inteligente - Jô Soares
Uma mulher inteligente – Benazir Bhutto
Um homem que é a cara do Brasil - Juca Chaves
Uma mulher que é a cara do Brasil - Sônia Braga
O que você gostaria de ver escrito o seu túmulo - Nunca pensei no assunto
Santo de fé - Santo Antônio
Revista que gosta de ler - Isto É
Gostaria de ser capa de qual revista - Time
Time de Futebol - Internacional de Porto Alegre
Um atleta inesquecível - Pelé
Melhor tática para se conseguir alguma coisa de alguém - Educação e Meiguice
Melhor companhia para solidão - A música
O maior amigo de uma mulher - Para mim, meu marido José Carlos
E o maior inimigo – O tempo
Um filme inesquecível – Candelabro Italiano
Um ator de cinema - Al Pacino
Uma atriz de cinema – Sofia Loren
É a favor ou contra a pena de morte no Brasil - A favor
A grande dama da cultura gaúcha – Eva Sopher
Um dia feliz - O nascimento de meus dois filhos: Rafael e Fernanda
Um dia triste - o da morte de John Kennedy
Sabonete – Hermotes, argentino
Pensamento – A maior felicidade é aprender a ultrapassar a si mesmo a cada dia.

          Quinze anos depois, talvez algumas dessas perguntas tivessem hoje respostas diferentes. Mas tenho certeza que IEDA MARIA VARGAS, que nunca se deslumbrou com o título de Miss Universo, continua afirmando que o esposo José Carlos Athanásio é o seu melhor amigo e que as datas de nascimentos dos seus dois filhos foram os dias mais felizes da sua vida.
*****

sábado, 23 de agosto de 2008

O SONHO DE ASA BRANCA

Daslan Melo Lima

               O inverno de 2008 está indo embora e vai deixar comigo a imagem do enterro de José Calixto Pedrosa acompanhado da multidão, uma crônica, um poema e esse instante de reflexão.

O SONHO DE ASA BRANCA

Daslan Melo Lima

O cavalo Asa Branca não entende a multidão
Perplexa e aflita diante do que aconteceu:
José Calixto Pedrosa foi traído pelo coração,
Que na madrugada triste e fria emudeceu.

O povo tem inveja do tranqüilo Asa Branca
Que não mergulha nos mistérios da sorte.
Só uma fé inabalável em Deus abranda
O sofrimento diante do males e da morte.

Quando União dos Palmares esquecer a dor,
O vento ainda entoará um grande lamento.
Quando a última lágrima do tempo se for,
Asa Branca e o dono ficarão em pensamento.

Talvez o animal em silêncio grite e chore.
A terra e as estrelas não ousam questionar.
Asa Branca sonha que vai partir ágil e forte,
Para feliz, no céu, com Zé Pedrosa galopar.


               Agora, peço que leiam (releiam)  o texto abaixo, publicado aqui há duas semanas, a fim de entenderem melhor a origem de O SONHO DE ASA BRANCA.

>>>>>>>>>>>>>>>

EVITANDO FALAR EM MORTE

               Ao nascer, todos nós estamos sujeitos a morrer a qualquer momento. Convivemos com a certeza da morte 24 horas por dia. Mas é impressionante como a maioria foge desse assunto.

             
               O engenheiro agrônomo José Carrilho Pedrosa, em foto acima do jornal Tribuna de Alagoas, 55 anos de idade, casado, dois filhos, estimado prefeito da cidade alagoana de União dos Palmares, vizinha da minha cidade natal São José da Laje, morreu na madrugada da terça-feira, 29 de julho, vítima de um infarto fulminante.

               O meu conterrâneo-contemporâneo Ladorvane Cabral tirou dezenas de fotos do velório e do sepultamento do Sr.José Carrilho Pedrosa. Uma delas despertou a minha atenção por um detalhe inusitado que você visualizará melhor se clicar em cima da imagem. Perto de uma árvore há um tranqüilo cavalo branco. Com certeza, alguém veio da zona rural e “estacionou” o animal ali.

               Diante da foto, tenho inveja da tranqüilidade do cavalo. Ele é o único ser vivo naquela multidão que não sabe o que é morte. Diante da foto, sofro com o meu povo e tento não pensar nos mistérios da vida. Muitas vezes, eu também evito falar em morte.

OBSERVAÇÃO - A crônica já estava on-line quando recebí, através do Orkut, esse recado do Ladorvane Cabral: O cavalo branco chama-se Asa Branca e pertencia ao Sr.José Carrilho Pedrosa, o Zé Pedrosa. O prefeito sempre acompanhava a procissão do mastro montado nesse animal. Fizeram questão que Asa Branca acompanhasse o enterro do Zé.

>>>>>>>>>>>>>>>

               O inverno de 2008 está indo embora e vai deixar comigo a imagem de ASA BRANCA naquela multidão, uma crônica, um poema e esse instante de reflexão.

*****

SESSÃO NOSTALGIA - Vera Lúcia Couto dos Santos, os preconceitos sofridos pela Miss Brasil Beleza Internacional 1964

Daslan Melo Lima

     Dentro da vitoriosa série SESSÃO NOSTALGIA, onde focalizo semanalmente uma grande miss do passado, trago hoje o depoimento integral que VERA LÚCIA COUTO DOS SANTOS, Miss Renascença, Miss Guanabara, segunda colocada no Miss Brasil e terceira no Miss Beleza Internacional 1964, deu a Haroldo Costa, produtor, diretor, compositor, ator e historiador da música popular. Divulgo o texto tal como consta no livro FALA,CRIOULO, páginas 26 a 31 da 2ª €dição, Editora Record - Rio de Janeiro -1982

Muitos são os livros escritos sobre a questão racial brasileira, mas nenhum deles tem como autor um negro. Este é o primeiro: escrito por um jornalista e intelectual preto,que entrevistou pretos.
Melhor do que um ensaio ou uma tese sociológica, o livro apresenta depoimentos de negros das mais diferentes condições sociais.
Não se trata, porém, de um livro racista às avessas. Haroldo Costa e seus entrevistados não radicalizam, nem são revanchistas. Eles são brasileiros que amam seu País e ajudam a torná-lo grande. Fala, Crioulo é, sim, um hino de esperança, uma obra feita com o mais profundo amor e respeito pelo próximo. O importante é que o Autor não escolheu exceções, somente grandes vitoriosos, para falar de seus triunfos.
Ouso, então, afirmar que estamos diante do nosso Negras Raízes, o famoso livro de Alex Haley, já que se tornou quase impossível aos negros brasileiros, hoje, chegar às suas origens africanas: Rui Barbosa mandou queimar todos os assentamentos da escravatura para apagar esta mancha da Historia do Brasil.
Quer dizer, nossos crioulos não podem saber quem são, nem de onde vieram, pelo erro de avaliação histórica – certamente feita com a melhor das intenções por um dos maiores brasileiros. E, coisa do destino, nascido na Bahia, a nossa Roma negra.
 
( Carlos Leonam, nas orelhas de FALA,CRIOULO )

     Mas vamos ao depoimento de Vera Lúcia Couto dos Santos. As imagens que ilustram esta matéria são reproduções das fotos publicadas nas revistas O CRUZEIRO, de 18/07/1964 (Vera ao lado dos pais) e FATOS & FOTOS, de 11/07/1964.
*****
"Essa crioula é metida a branca..."
VERA LÚCIA COUTO DOS SANTOS
Ex-Miss Brasil,36 anos

- Sai daí, crioula! Teu lugar é na cozinha! Não se manca não?

Enquanto todas as candidatas faziam o desfile de conjunto, aquela mulher na ponta da passarela, possessa, gritava desesperada. A zoeira no Maracanãzinho lotado era infernal. Faixas, serpentinas, charangas, apitos, buzinas, tinha de tudo, mas os meus ouvidos só registravam a voz daquela mulher que ia por entre as mesas, me acompanhando e repetindo que nem uma matraca:

- Sai daí, crioula! Teu lugar é na cozinha!

Não foi fácil convencer meu pai a me deixar participar do concurso de Miss Renascença naquele ano de 1964. Quatro anos antes eu fui ao salão Dinah Cabeleireiros me pentear para aminha festa de 15 anos, a própria Dinah me atendeu e não cansou de fazer elogios:

-Ah! Que mulata mais bonitinha, bem que podia desfilar no Renascença.


Naquela época o Renascença estava com força total, era um dos clubes mais badalados do Rio de Janeiro, tido como celeiro das mulatas mais bonitas do Brasil, e a Dinah era a coordenadora dos concursos. Minha mãe desconversou, disse que eu era muito menina ainda, etc., e ficou por isso mesmo. Anos mais tarde, veio um novo convite para que eu participasse do desfile da Rainha da Primavera como representante do Renascença. Aí então nos tornamos sócios do clube e eu desfilei. Todo ano me convidavam para o concurso de Miss Renascença, eu falava com papai e ele não deixava. Miss Suéter, Rainha da Primavera, desfile de saia, desfile de modas, de tudo eu participava, mas falava em negócio de miss, papai brecava na hora. Devo dizer, a bem da verdade, que meu pai nunca foi de me coibir ou negar coisas, absolutamente. Nem ele nem minha mãe. Pedreiro, que mais tarde tornou-se construtor pela força do seu próprio trabalho e talento, ele foi sempre tolerante e compreensivo, dentro do seu temperamento calmo e reservado, até a sua morte. Minha mãe, por sua vez, sempre foi mais extrovertida e explosiva. Enfermeira por vocação e amor, estava sempre pronta para atender a um amigo ou a um vizinho, apenas pela alegria de exercer a sua profissão. Amava profundamente ao meu pai, tanto que morreu um ano depois dele porque não tinha mais alegria na vida, deixou-se morrer. De amor.

Só quando eu fiz 19 anos, e depois de muita insistência, é que papai permitiu que eu participasse do Miss Renascença, e acho que ele deixou porque não acreditava muito que eu pudesse ganhar. A minha principal competidora era a Esmeralda Barros, que tinha uma enorme presença, um corpo belíssimo e grande traquejo de palco porque já tinha trabalhado em shows, etc. Mas eu terminei ganhando. E acho que foi muito mais na passarela do que em termos de plástica, beleza e tudo mais, sabe? Porque a Esmeralda tinha uma plástica respeitável, acontece que ela entrou na base do já ganhei, eu sou a boa mesmo, e não tem pra mais ninguém, e o público notou isso, o júri também e eu acho que aí é que ela perdeu. Eu fui vestida pelo Hugo Rocha, que inclusive me deu umas dicas de passarela que me ajudaram muito.

Vencedora do Miss Renascença, entrei no concurso de Miss Guanabara naquela de ir para cumprir a obrigação, mas na verdade, sem nenhuma esperança. Pó, eu tinha visto o que aconteceu com a Aizita Nascimento e a Dirce Machado, duas excelentes candidatas do Renascença, mulatas lindíssimas, bem preparadas e que não conseguiram absolutamente nada além de uma notoriedade que muito as ajudou depois. Baseada nisto, não alimentava grandes ilusões. Nem pequenas, tanto que já havia combinado com minha mãe e o pessoal lá de casa para, no dia seguinte, isto é, no domingo, irmos todos para Teresópolis porque eu estava cansada daquele corre-corre de escolhe maiô, discute vestido, prova roupa, desmancha aqui, aperta ali, eu já estava cheia e queria mesmo era me mandar pra longe. E além do mais algum júri teria a ousadia de dar o título de Miss Guanabara, no ano do Quarto Centenário, a uma crioula?

Eu estava tomando um copo com água para me refrescar, depois da última etapa do desfile, quando uma das concorrentes chegou perto de mim e me sussurrou no ouvido:

- Verinha, você é a Miss Guanabara!


Eu encostei numa mesa e comecei a tremer, me deu um medo terrível. Comecei a rezar pedindo a Deus que fosse mentira. Me deu aquela de pavor, gelei. É a primeira vez que eu estou contando isso, só agora estou me sentindo com coragem, mas naquele momento me lembrei da menina que fui na Escola Sagrado Coração de Maria, no Méier, uma escola de freiras, onde no recreio eu ficava sempre posta de lado,sem perceber porque, pensando que o recreio era curto demais para dar tempo de eu brincar com as outras crianças. Lembrei-me da Escola Dois de Dezembro, onde eu era uma das alunas que iam com o uniforme mais bem cuidado, saia bem pregueada e blusa sempre na goma e onde uma vez na fila para comprar livros eu ouvi:

- Essa crioula é metida a branca, compra tudo do bom e do melhor.

E eu fingi que não ouvi. Mas agora não podia fugir, não. Tinha que ouvir: eu era a primeira negra a representar o Estado da Guanabara no concurso de Miss.
Aí eu vi que não tinha jeito mesmo e comecei a raciocinar: depois de ganhar o Miss Renascença eu estava representando um clube que na época era muito importante no concurso, dentro do contexto geral a participação do Renascença era muito importante. Daí, do fato de representar um clube, de repente eu passe a representar todos os clubes da Guanabara e agora passaria a representar um Estado inteiro. Quer dizer, foi um crescer de coisas, de responsabilidades... Foi quando eu realmente me conscientizei e disse:

- Então, dane-se. Quem gostar, gostou, quem não gostou, gostasse.

Era um encargo muito grande que até então, não tinha sido dado a ninguém da minha cor. Desta vez eu não temeria nenhuma concorrente, nem entraria só por entrar, eu tinha que partir pra briga sem conformismo ou acomodação. Tinha que partir para ganhar. A expectativa era muito grande, durante toda a semana o assunto não saiu dos jornais e não havia quem não falasse sobre isso, em todas as rodas. Nos ensaios eu fazia sempre o pivô, que é uma volta completa que a pessoa que está desfilando dá em torno de si mesma. Aí, a dona Maria Augusta, da Socila, que era a coordenadora do concurso, que ensaiava as misses, chegou pra mim e disse que eu não podia fazer o pivô, sob pena de ser desclassificada. Outras pessoas vieram e me diziam:

-Não entre nessa, Vera. Essa é a tua arma secreta não deixa de fazer o pivô.


Na verdade, quando no desfile para Miss Guanabara eu dei o que o pessoal chamava de voltinha, foi um delírio. O povo nas arquibancadas aplaudia e insistia pedindo mais. Posso dizer tranqüilamente que foi o que me consagrou, era um quê diferente, meu, uma espécie de marca registrada. O nome técnico é pivô, mas o povo pedia mesmo era a voltinha. No dia do concurso eu estava fazendo a última prova do vestido no atelier do Hugo Rocha quando recebi um telefonema de uma pessoa, voz feminina, que me disse:

- Olha, eu estou ligando porque lhe aprecio muito e quero dar um conselho de amiga. Acho que você deve desistir do concurso porque existe um grupo de senhoras da sociedade que compraram mesas especialmente para vaiar você.

A voz não se identificou e mais não disse. Era parte, sem dúvida, de uma guerra de nervos, não sei de alguma admiradora de outra concorrente ou se de alguém inconformada por ser eu, negra, a representante do estado da Guanabara. Correu também o boato de que a Comissão Organizadora teria retirado o nome de Evandro Castro Lima do júri, porque ele tinha se manifestado a meu favor publicamente, assim como disseram que colocaram a jornalista Pomona Politis porque ela declaradamente não gostava de preto. Essas notícias chegavam a mim e era como se um ciclone tivesse me pegado, eu perdia o chão, ficava completamente baratinada, sabendo que tinha que manter a calma, sem saber como.
Quando a orquestra tocou a marcha de abertura e todas as candidatas entraram para a passarela, um frio correu pela minha espinha, eu pisei firme mas não senti o chão. As torcidas todas misturadas gritavam coisas que eu nem distinguia. Vez por outra ouvia:

- Guanabara! Guanabara! Guanabara!

Também ouvi muito:

- Paraná! Paraná! Paraná!

E depois eu soube que um forte grupo gritava:

- Guaraná! Guaraná! Guaraná!

Era o pessoal que queria que os primeiros lugares ficassem com a Guanabara e o Paraná.
O que eu sei mesmo é que, no meio daquele tumulto infernal, onde o sorriso tinha que ser mantido a todo custo, eu ouvi claro e cristalino:

- Sai daí crioula! Teu lugar é na cozinha! Não se manca não?


Era uma mulher na ponta da passarela, que tinha a forma de uma ferradura, gritando histérica, inteiramente possessa. E ia por entre as mesas, repetindo, praticamente sem parar, a mesma coisa. As senhoras nas mesas que o telefonema anunciou não estavam lá, mas aquela mulher valia por quase todo o Maracanãzinho. Pelo menos para mim.
Quando voltei ao camarim, tremia da cabeça aos pés, e notei que não era só eu. O nervosismo era geral. Então pensei comigo mesmo:

- Quer saber de uma coisa, eu não vou olhar para o lado que aquela mulher estiver, vou entrar olhando para o outro lado.

Dito e feito. Quando entrei no desfile em traje de gala, onde cada concorrente se apresentava individualmente,.me enchi de moral e fui em frente. Enquanto desfilava tudo o que eu ouvia era um grande zumbido, e aí me lembrei quando uma vez fui com uma colega minha e o namorado dela a um baile na sede do Botafogo e quando chegamos na porta foi aquele papo pra cá, papo pra lá e eu não consegui entrar. A minha amiga era sócia do clube e o porteiro disse que eu não podia entrar por que não tinha convite, em cima da hora não dava pra quebrar o galho, etc.etc. Engoli aquela de não ter convite e fomos para Copacabana, o rapaz lembrou-se que tinha um baile no Olímpico. Quando chegamos lá não deu nem pro pessoal que estava comigo disfarçar, o cara da porta foi taxativo:

- Essa aí não entra!

A frase zumbiu no meu ouvido, foi aquele choque. Eu era uma adolescente e só estava querendo fazer o programa que outros da minha idade estavam fazendo – dançar.
E dancei... Numa só tarde fui barrada duas vezes. Na hora fiquei chateada, com raiva mesmo, mas só vim a perceber a extensão daquilo algum tempo depois, provavelmente naquele instante em que eu estava desfilando para milhares e milhares de pessoas, tentando não ouvir a mulher que continuava gritando pra mim que o meu lugar era na cozinha. Eu vinha olhando para o outro lado e me desliguei de tal forma que não avancei pela passarela que ia dar exatamente onde estava o júri. Passei direto. De repente eu notei que a torcida do Renascença gritava:

- Volta! Volta!

E eu não entendi o que estava acontecendo. Umas mesas mais perto do ponto onde eu estava bradavam de pé :

- Volta Vera, pelo amor de Deus. Volta, volta!

Eu continuava sem perceber o que é que estava havendo. A estas alturas, um senhor de cabelos grisalhos, de cor clara, adiantou-se e gritou quase em frente a mim:

- Volta, minha filha. Não faça uma desgraça dessa.

E botou a mão na cabeça. Foi como se eu tivesse acordado, dei uma rápida olhada pra trás e vi que tinha passado da banca do júri. Dei mais alguns passos à frente e pensei rapidinho:

- Estou proibida, mas eu vou fazer. Vai ser a minha salvação.


Fiz o pivô e voltei. Ai foi uma loucura. O público aplaudia, gritava, nunca vou me esquecer. Quando voltei de maiô, já estava inteiramente solta, liberta, fiz tudo o que eu sabia e mais um pouco. Cada pivô que eu fazia o pessoal gritava: Olé! Difícil descrever a sensação que sentia. A partir daí já achei normal ficar entre as finalistas e quando fui proclamada em segundo lugar, senti o gosto da vitória. Era a Miss Brasil número 2, aquela que iria representar o país no concurso de Miss Internacional Beautiful que era realizado em Long Beach, na Califórnia. 

*****

     Os anos passaram. Estamos em 2008, onde discriminação racial é crime, o termo politicamente correto para designar negro é afro descendente e as cotas para estudantes negros nas faculdades geram polêmicas. Os anos passaram. Estamos em 2008 e muita gente não entende o porquê de poucas negras nos grandes concursos de beleza.

     Quero fazer apenas uma correção no depoimento fantástico de Vera Lúcia Couto dos Santos, quando ela diz E além do mais algum júri teria a ousadia de dar o título de Miss Guanabara, no ano do Quarto Centenário, a uma crioula?
     O ano do quarto centenário da cidade do Rio de Janeiro foi 1965, quando a loura Maria Raquel Helena de Andrade foi eleita Miss Guanabara e Miss Brasil.

     HAROLDO COSTA está com uma página excelente na web, http://www.haroldocosta.com.br, e FALA,CRIOULO merece uma nova edição, revista, atualizada, um FALA,CRIOULO, 26 ANOS DEPOIS. Por quê? Pra quê? Continua atual o que disse Haroldo Costa em janeiro de 1982:

Fomos o último país a ter a escravidão abolida, durante quatro séculos a grande força de trabalho foi o negro, por isso, quando se fala que nós ajudamos a construir esse país com suor e sangue, não está em uso uma figura de retórica nem uma simbologia pouco original, mas sim uma constatação indiscutível. Com a importação da mão-de-obra européia, fomos empurrados para baixo mas, curiosamente, somos os guardiões do que mais puro se atribuí à cultura brasileira. Do negro se cobra uma fidelidade absoluta à preservação e difusão de nossas mais importantes parcelas culturais (...)
Quem é crioulo no Brasil? Etimologicamente todo mundo nascido aqui, exceto os indígenas, não obstante a denominação abranger hoje em dia apenas os descendentes dos africanos, os afro-brasileiros, e ter tido durante muito tempo uma coloração pejorativa.
...o Brasil tem uma contribuição muito importante a dar, resgatando a dívida contraída com os descendentes dos escravos negros e que será materializada através dos mecanismos que nos propiciam a real oportunidade de participar em termos igualitários da busca pela identidade nacional. Sem favores, sem concessões, sem paternalismos, apenas com a disposição de absorver a nossa esperança. 

*****

sábado, 16 de agosto de 2008

SESSÃO NOSTALGIA - Vera Lúcia Maia, a filha Miss de Nora Ney

Daslan Melo Lima         

          No dia 21 de outubro de 1943, na Casa de Saúde São Sebastião, em Laranjeiras, Rio de Janeiro, a contadora Iracema de Sousa Ferreira dava à luz uma linda menina morena que seria batizada com o nome de Vera Lúcia Ferreira Maia. Em 1950, Dona Iracema passou a ser conhecida em todo o Brasil com o nome de Nora Ney e se tornaria uma das grandes divas da música popular brasileira. Em 1963, a garota Vera Lúcia Maia seria eleita Miss Elegante Bangu; Miss Fluminense; Mascote da equipe japonesa que veio ao Rio disputar o Campeonato Mundial de Basquetebol; Miss Guanabara; Miss Simpatia; Terceira colocada no Miss Brasil, Miss Brasil nº 3, como se dizia na época; e semifinalista do Miss Mundo 1963.

VERA LÚCIA MAIA, MISS UNIVERSO DO CASTELINHO


Vera Lúcia Maia tinha 1,72 de altura, 58 Kg, 92 cm de busto,60 de cintura, 92 de quadris, 59 de coxa, 22 cm de tornozelo e trabalhava como instrumentadora do cirurgião plástico Marcos Spillman.


          Na noite da disputa pelo título de Miss Guanabara, ela não chegou a tempo para participar do primeiro desfile em conjunto. Motivo: estava visitando a mãe que tinha se submetido a uma operação plástica duas semanas antes. Vera encontrou fortes concorrentes no Maracanãzinho. A principal delas foi a mulata Aizita Nascimento, Miss Renascença, a preferida das 25 mil pessoas das arquibancadas e que terminou apenas em sexto lugar. A outra foi Eliane Silveira, Miss Riachuelo, com quem empatou para o primeiro lugar com 50 pontos, ganhando no desempate.


Na manhã de domingo, já eleita Miss Guanabara, Vera Lúcia foi confirmar seu título na praia do Arpoador, junto ao Castelinho. Ali se reúne a juventude sofisticada de Ipanema, que recentemente conferiu a Verinha um título original: Miss Universo do Castelinho. E quando, domingo, ela reapareceu na praia, foi coroada com um diadema de prata e pedras preciosas feito especialmente pelo artista Caio Mourão. Deram-lhe ainda um ”colar” extravagante, pois não passava de uma réstia de cebolas, e um “cetro” que na verdade era um archote de jacarandá. Em seguida, Verinha recebeu um banho de areia, sendo então levada ao famoso boteco chamado “Mau Cheiro”. O trânsito ficou interrompido por lindos brotinhos de biquíni, enquanto Miss GB percorria um tapete que se estendia da areia até a porta do “Mau Cheiro”, e que fora improvisado com as toalhas vermelhas das mesas. Um tipo popular chamado “Chita” (porque imita com perfeição a macaca de Tarzan) fez um discurso de louvor à vencedora, e o dono do botequim brindou-a com champanha francês. 
(Revista MANCHETE, 29/05/1963).

VERA LÚCIA MAIA E AS FAVORITAS DO MARACANÃZINHO

          As cariocas sempre estavam nas lista dos jornais e revistas como as mais cotadas para o título de Miss Brasil, mas no Maracanãzinho, palco da maior festa da beleza nacional desde 1958, o público, numa sintonia mágica impressionante, optava por suas favoritas, independente da condição social e dos Estados que elas representavam. E naquela noite de 22 de junho de 1963, para a maioria das 30 mil pessoas, a preferida não era a filha da famosa Nora Ney e sim uma gaúcha chamada Ieda Maria Brutto Vargas, filha do simples professor José Joaquim de Vargas.

          Na comissão julgadora estavam 11 pessoas: escultor Leão Veloso; cronista Jacinto de Thormes; jornalista Accioly Neto, diretor da revista O Cruzeiro; Vera Ribeiro, Miss Brasil 1959; Ministro Mauro Sales, presidente do júri; Terezinha Morango,Miss Brasil 1957; Vitor Boças, diretor de Turismo do Estado da Guanabara; Edda de Lutti, da sociedade paulista; jornalista Justino Martins,da revista Manchete, e o arquiteto Sérgio Bernardes.

                  Por ordem de classificação, as oito finalistas foram: Miss Rio Grande do Sul, Ieda Maria Brutto Vargas, melhor traje típico, eleita Miss Universo no mês seguinte, em Miami Beach; Miss Paraná, Maria Tânia Mara Franco de Souza, Miss Fotogenia, semifinalista no Miss Beleza Internacional, em Long Beach ; Miss Guanabara, Vera Lúcia Ferreira Maia, Miss Simpatia, semifinalista no Miss Mundo, em Londres; Miss Brasília, Denise Rocha de Almeida, vice-Miss Distrito Federal 1959, representante brasileira no Miss ONU, realizado em Majorca, Espanha; Miss São Paulo, Dirce Augustus; Miss Sergipe, Zélia Maria Mendonça Lopes; Miss Pará, Nilda Rodrigues de Medeiros; Miss Amazonas, Fátima das Neves Silva. O público considerou injusta a desclassificação de Miss Estado do Rio, Miriam Montenegro da Fonseca, cujo traje de gala em estilo grego foi o mais aplaudido do desfile.



          Na semana sequinte, a revista O Cruzeiro circulou com 22 páginas sobre o concurso, embora não tenha colocado as vitoriosas na capa, preferindo postar a imagem de Paulo VI, o novo Papa. É dela a foto de Vera em traje típico que ilustra estas memórias. As demais imagens são reproduções da Manchete. A revista Manchete saiu com 14 páginas sobre o evento e na capa Vera Lúcia Maia apareceu ao lado da loura paranaense Tânia Mara Franco, segunda colocada, e da gaúcha Ieda Maria Vargas, a nova Miss Brasil. Foi a segunda vez que a filha de Nora Ney saiu na capa da famosa revista da Bloch Editores.

               No ano de 1963, cinco  moças do norte e do nordeste fizeram grande sucesso na passarela do maracanãzinho: Miss Amazonas, Fátima das Neves Silva, oitava colocada; Miss Pará, Nilda Medeiros, sétima colocada, irmã de Gilda Medeiros, Miss Pará 1955. Nilda poderia ter conseguido a terceira colocação se não fosse a profunda cicatriz de vacina em seu braço, conforme observou um jornalista da Manchete; Miss Sergipe, Zélia Lopes, sexta colocada, que deveria ter ficado entre as três finalistas, se dependesse de um dos jurados; Miss Piauí, Maria da Consolação Teixeira, a grande esquecida do júri, segundo a revista O Cruzeiro; Miss Paraíba, Kalina Lígia Duarte Nogueira,que lembrava a atriz Anita Ekberg e cujo rosto foi considerado o mais belo do concurso.

Antes do desfile final, Verinha recebeu um convite de Maria Augusta para ser manequim da Socila. Aceitou. Era a única candidata que tinha marca de maiô biqini nas costas. 
(Manchete, 06/07/1963).

VERINHA, MENINA-AREIA-MACIA-DO-CASTELINHO

Verinha, Miss Brasil número 3, ganhou viagem à Europa. Representará o verde e o amarelo em Londres. Distila alegria por todos os poros. Ela ganhou o sonho: viajar na direção daquele mundinho antigo e bom. Espera ver o namorado em Milão. (O namorado fez parte do time de basquete italiano que jogou no mundial do Rio.) Está que é uma pilha de planos. Nem sequer reclamou contra a vaia organizada e dolosa que desabou sobre seu sorriso-desfile imperturbável. A vaia em seguida abafada pelas palmas, pela contravaia mais forte. Verinha, menina-areia-macia-do-Castelinho.
(Ubiratan de Lemos, revista O Cruzeiro, 13/07/1963)


          Foi a primeira vez que as misses desfilaram em trajes típicos e o de Vera chamava-se Calçadas do Rio, inspirado nos desenhos dos mosaicos das calçadas de Copacabana, em branco e preto, bordado em pedrarias, uma criação de Alceu Penna, responsável pela secção Garotas do Alceu, da revista O Cruzeiro. A mãe de um ex-namorado de Vera deu-lhe de presente no dia do desfile dois santinhos. Ela não teve dúvida alguma de prendê-los no maiô para dar sorte. Em Londres, Vera ficou entre as quinze semifinalistas do Miss Mundo 1963, título conquistado por Carole Joan Craword, Miss Jamaica.

          Agora, vou fazer uma pausa e resgatar um pouco a história de sua mãe, Nora Ney, uma das maiores divas da canção popular brasileira de todos os tempos.

NORA NEY, UMA DIVA DA CANÇÃO


          Iracema de Sousa Ferreira, nome verdadeiro de Nora Ney, nasceu em 23/03/1922. Foi a primeira a gravar Tom Jobim; a primeira a gravar rock no Brasil, a versão de Rock Around The Clock, de Bill Halley, em 1955, e a primeira cantora a ganhar um Disco de Ouro no Brasil, com o sucesso Ninguém me Ama, de Antônio Maria e Fernando Lôbo. Além de Vera, Nora Ney também teve outro filho,o Hélio, ambos frutos de seu casamento com Cleido. Sua vida conjugal foi turbulenta e o casamento acabou em desquite litigioso. Seu relacionamento com o cantor Jorge Goulart teve início em 1953 e a feliz união foi oficializada em 1992. Nora Ney, que aparece nesta matéria em fotos capturadas da web, morreu aos 81 anos, em 28/10/2003, em decorrência das sequelas de um AVC-Acidente Vascular Cerebral de que foi vítima anos antes.


Em fins de 1951, Iracema ainda freqüentadora do Sinatra-Farney Fã-Clube, onde cantava nas tardes de domingo acompanhada pelo acordeom de João Donato e o piano de Johnny Alf, dois garotinhos imberbes, foi levada para a Rádio Tupi do Rio de Janeiro. Aí já sob o nome de Nora May (o Ney viria depois), estreou cantando em inglês com seu grave vozeirão. Em 1953 já era ídolo nacional, cantando samba-canção, naturalmente em português. Contratada pela Rádio Nacional, era ouvida pelo Brasil inteiro todas as noites no famoso programa Ritmos da Panair, transmitido diretamente da boate Midnight, do Copacabana Palace Hotel. Foi aí que conheceu o cantor Jorge Goulart, seu companheiro na vida e carreira a partir de então. Gravou Ninguém Me Ama (de Antônio Maria e Fernando Lobo), Menino Grande (só do Maria), De Cigarro em Cigarro (Luiz Bonfá), com imenso sucesso e, nesse mesmo ano, foi eleita Rainha do Rádio.


Cada gravação de Nora Ney era sucesso garantido e ela foi em seqüência: Preconceito (Antônio Maria/Fernando Lobo);É Tão Gostoso, Seu Moço (Mário Lago/Chocolate); Aves Daninhas (Lupicínio Rodrigues); Se Eu Morresse Amanhã (Antônio Maria); Só Louco (Dorival Caymmi); Vai Mesmo (Ataulfo Alves). Em companhia de Jorge Goulart e outros artistas brasileiros, excursiona longamente pela Europa, Américas, África, Oriente Médio e Ásia, com amplo sucesso, transformando-se na maior divulgadora da música popular brasileira em países até então jamais visitados por artistas nacionais. 
(Arley Pereira - A História da Música Brasileira Por Seus Autores e Intérpretes - SESC/TV Cultura).

EPÍLOGO - Vera Lúcia Maia, pela vida afora menos famosa do que a mãe

          Vera Lúcia não compareceu no ano seguinte ao Maracanãzinho para passar a faixa à sua sucessora no trono de Miss Guanabara. O Brasil vivia uma fase política atípica, em decorrência do Golpe Militar de 31/03/1964. Nora Ney e Jorge Goulart tinham assumido pubicamente que eram comunistas. O casal teve de se auto-exilar, passando oito anos fora do Brasil.

          Faz uns dez anos que me surpreendi com uma senhora extrovertida e bem humorada, acompanhada de um cachorrinho de estimação, dando uma entrevista no programa da Hebe Camargo. O assunto girava em torno de senhoras da sociedade que faziam questão de viajar com seus pequenos cães. Entendi a entrevistada dizer que estava viúva e que tinha um filho que morava em Milão. Só identifiquei que aquela era Vera Lúcia Ferreira Maia no momento em que Hebe Camargo citou o nome de Nora Ney.

          Daquelas 24 lindas jovens que disputaram o título de Miss Brasil 1963, só uma era filha de uma diva. Só uma continuará pela vida afora sendo menos famosa do que a mãe: Vera Lúcia Ferreira Maia, Verinha, a filha Miss de Nora Ney.

*****

sábado, 9 de agosto de 2008

SESSÃO NOSTALGIA - Anísia Gasparina, Miss Brasília, um conto de fadas dos anos 60

Daslan Melo Lima


      Em 1967, Anísia Gasparina da Fonseca, uma jovem loura belíssima, paupérrima, 20 anos, 1,72 de altura, 60 Kg, 92 cm de busto e quadris e 62 cm de cintura, natural da cidade de Patos de Minas, Estado de Minas Gerais, emocionou o Brasil inteiro. Ela morava em Taguatinga, cidade satélite de Brasília, Distrito Federal, era empregada doméstica e vivia num barraco de madeira de chão de barro e teto de zinco com Dona Raimunda, a mãe lavadeira, três irmãos e uma irmã. Foi eleita Miss Brasília e era a preferida do público para o título de Miss Brasil 1967. Sua história lembra um conto de fadas. As imagens desta reportagem são reproduções de fotos publicadas nas revistas Manchete (Anísia em trajes de banho) e Fatos & Fotos.


CAPÍTULO I Anísia Gasparina, a pobre mineira é eleita Miss Brasília



Era uma vez uma menina muito pobre, que vivia em Patos de Minas. Trabalhava em serviço humilde, para ajudar a mãe, lavadeira, e os quatro irmãos pequenos. Um dia, houve em Patos de Minas o concurso para a eleição da Rainha do Milho e a menina quis se candidatar. Mas as outras concorrentes, todas de famílias ricas, não deixaram. Então, a menina, terrivelmente humilhada, fez uma trouxa com seus vestidos pobres e viajou para Brasília, onde arranjou emprego como empregada doméstica. Ela era exímia cozinheira, excelente arrumadeira, dedicadíssima babá. Ganhava trinta mil cruzeiros velhos por mês. Depois de economizar algum dinheiro, mandou buscar a família em Patos de Minas e todos se instalaram num barraco de zinco na cidade-satélite de Taguatinga. A moça continuou trabalhando e ficava cada dia mais bonita. Era loura, alta (1m72), alegre, modesta e inteligente. Sua patroa, às vezes, dizia: “Você é a cozinheira mais bonita do mundo”. Ela ficava com esse elogio, mas logo pensava nos problemas de sua mãe: o fogão de lenha já não funcionava, seria preciso comprar um fogão a gás. Esse era o grande sonho de sua vida: comprar um fogão a gás para a mãe. Mas para isso, teria que economizar, fazendo sacrifícios, porque tinha que pagar o aluguel do barraco com o seu ordenado e ainda comprar a comida para os quatro irmãos e a mãe.



Um dia, ela estava no Clube da Área Alta, que congrega oficiais e praças da Marinha de Guerra. A esposa de um dos diretores do clube, notando a sua rara beleza, convidou-a a participar do concurso durante o qual seria eleita Miss Área Alta. Lembrando-se da triste experiência de Patos de Minas, a menina respondeu: “Agradeço muito, mas tenho medo de ser humilhada novamente, como aconteceu na minha terra.” Entretanto quando souberam do caso, as outras senhoras do clube fizeram um movimento de solidariedade, de modo que a moça acabou aceitando a idéia de desfilar na passarela. Entre nove candidatas, ela foi, então, eleita Miss Área Alta. Aquela consagração parecia um sonho. Agora, teria que enfrentar toda a cidade de Brasília, no dia da eleição da nova Miss Distrito Federal. Desta vez seriam 17 as candidatas. Após o desfile, os jurados se reuniram e escolheram como vencedora a pobre menina de Patos de Minas. 
( Revista Manchete, 1°/07/1967 )


Capitulo II Anísia Gasparina, do barraco para uma casinha popular


               Conselho de D. Raimunda para Anísia: Nunca se esqueça de que você não é melhor do que ninguém, e que todas essas coisas bonitas só vão durar um ano. Depois, você entregará a coroa a outra moça e voltará a ser pobre e humilde.
          Após sua eleição como Miss Brasília, o prefeito de Brasília deu a Anísia uma casinha de presente num bloco construído pelo Banco Nacional de Habitação, em Taguatinga. Logo a seguir, trocou um trabalho modesto que havia conseguido na Loja Bagdá por outro no Departamento de Turismo de Brasília, com um salário muito bom em moeda da época : 400 cruzeiros novos.

CAPÍTULO III Anísia Gasparina, a preferida do Maracanãzinho


Maracanãzinho, Rio de Janeiro, noite de 1º de julho de 1967. Vindas de todos os estados, 25 lindas jovens e um sonho: ser coroada Miss Brasil 1967. Nas arquibancadas, cadeiras e mesas de pista, um público superior a 30 mil pessoas. Na comissão julgadora, dez homens e uma mulher. Entre os homens, duas figuras internacionais, Phillip Bottfel, ex-diretor do Miss Universo e Costa Rubio, coordenador de Miss Venezuela. A única mulher é Adalgisa Colombo, Miss Brasil e vice-Miss Universo 1958.
Anísia Gasparina da Fonseca era a preferida do público. O entusiasmo de milhares de pessoas aumentava a cada entrada de Miss Brasília na passarela.


As oito finalistas, sem ordem de classificação, foram anunciadas: Miss Pará, Sônia Maria Ohana; Miss Estado do Rio, Maria da Graça Kuri; Miss Guanabara,Vera Lúcia de Castro; Miss Brasília, Anísia Gasparina da Fonseca; Miss Minas Gerais, Maria Juliana Garcia da Costa; Miss Paraná, Wilza de Oliveira Rainato; Miss Santa Catarina, Ujara Gudrun Jutahy; e Miss São Paulo, Carmen Sílvia de Barros Ramasco.
Momentos decisivos. Cláudia César, Miss Ceará, recebe a faixa de Miss Simpatia. Ana Cristina Ridzi, Miss Brasil 1966, despede-se do público e dá um conselho para as misses citando um trecho de O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry : Tu és eternamente responsável por tudo aquilo que cativas. E aí começa a ser anunciado o resultado final: 4º lugar, Miss Brasília, Anísia Gasparina da Fonseca ; 3º lugar, Miss Pará, Sônia Maria Ohana; 2º lugar , Miss Paraná, Wilza de Oliveira Rainato; e 1º lugar, Miss São Paulo, Carmen Sílvia de Barros Ramasco.
O público vaia demoradamente. A sua preferida não se elegeu Miss Brasil.


As vitórias não precisam de explicação. Mas, no concurso para a escolha de Miss Brasil 1967, de sábado último, houve uma grande vitoriosa (Miss São Paulo) e apenas uma derrotada, Miss Brasília. Nem a primeira acreditava na vitória que o júri lhe deu, nem a segunda, delirantemente apoiada pelo público inteiro do Maracanãzinho, esperava a derrota que lhe coube.
( Justino Martins,revista MANCHETE - 15/07/1967 )

CAPÍTULO IV - Anísia Gasparina, uma das mulheres mais ricas do Planalto Central


      De volta a Brasília, Anísia empenhou-se na função de Relações Públicas do Departamento de Turismo e conheceu Valdomiro de Souza, um milionário de origem pobre, com quem casou e foi morar em Goiânia. Em dezembro de 1975, vivendo entre Brasília e a capital de Goiás, dona de mansões e fazendas com aeroportos particulares, Anísia deu o seguinte depoimento a Marlene Anna Galeazzi, publicado na revista FATOS & FOTOS, de 29/12/1975:

Quando lembro as coisas que passei para sobreviver, penso que é um sonho. Acho que hoje não teria condições de enfrentar, sempre sorrindo, as dificuldades dos anos passados. Graças a Deus, aos brasilienses e ao meu marido, que é também um pai para mim, pude ajudar a minha família. 


Eu lavava a loja, depois do expediente, em troca do direito de tomar um banho. No barraco, usávamos uma bacia velha para a higiene. Além, do mais, eu só voltava para casa depois da aula. Chegava todos os dias por volta da meia-noite e às cinco já estava pronta para enfrentar a longa viagem, de ônibus até o Plano Piloto.
Para poder definir realmente o que aconteceu, eu consegui na época, com muito esforço, decorar o que saiu publicado na MANCHETE de 15 de julho daquele ano: “As vitórias não precisam de explicação...”

Realmente, na época eu não tinha condições. Que pode fazer no exterior uma moça que só tem o terceiro ano primário, e que na vida só sabe a luta do dia-a-dia por uma sobrevivência decente, mas paupérrima?


Logo que casei, fui morar em Goiânia. Lá freqüentei o grupo escolar. Pela diferença de idade, as pessoas pensavam que eu era a professora. Curti muito aquela época. Aprender o que estava nos livros era um mundo novo que se abria. Depois fiz o Madureza, consegui terminar o ginásio, o científico, e fazer um curso de Educação Física. Só depois veio minha filha Karyna, que agora está com 10 meses.


Engraçado, às vezes sinto saudades daquela época, sabe o que é? A lembrança da educação que minha mãe, com toda sua humildade, nos deu. O carinho que ela dedicava aos filhos, dentro de um mísero barraco, me ajudou muito, principalmente agora. Graças a isso, não virei uma dondoca sem objetivos. Como agradecimento pelo que a vida me deu, procuro ajudar aos outros, através do Asilo São Catalengo, no interior de Goiás, onde pessoas de todas as raças e idades vão procurar um pouco de paz.

----------

      Termino aqui esta SESSÃO NOSTALGIA como se tivesse escrito um conto de fadas. Sem dúvida alguma, a história de Anísia Gasparina da Fonseca, Miss Brasília, quarta colocada no concurso Miss Brasil 1967, parece um conto de fadas, um fantástico conto de fadas dos mágicos anos sessenta.

*****

sábado, 2 de agosto de 2008

SESSÃO NOSTALGIA – Carmen Teresinha Lucca, Miss Objetiva Internacional 1963

Por Daslan Melo Lima

          Durante vários anos, um concurso de beleza promovido pela Associação dos Repórteres Fotográficos de São Paulo revelou lindas jovens, o Miss Objetiva do Brasil-Miss Objetiva Internacional. Muitas das garotas brasileiras que participaram do Miss Objetiva tinham se destacado nas passarelas para a escolha das misses estaduais ao concurso Miss Brasil. Na capital paulista, na mesma noite da eleição da Miss Objetiva do Brasil era eleita a Miss Objetiva Internacional.

          Em outubro de 1963, no Clube Pinheiros, uma gaúcha de Passo Fundo foi a grande vencedora da fase nacional e internacional. Seu nome: CARMEN TERESINHA LUCCA, estudante de piano, aluna do último ano de Filosofia e professora de matemática da terceira série ginasial . Na condição de Miss Passo Fundo, Carmen Teresinha Lucca tinha sido a segunda colocada no Miss Rio Grande do Sul, perdendo apenas por diferença de um ponto para Ieda Maria Vargas,que depois seria eleita Miss Brasil e Miss Universo 1963.


          Antes de ser Miss Passo Fundo, Carmen ( a última à direita) tinha sido coroada Rainha do Comercial e Rainha do Carnaval. Ela disputou o titulo de Miss Objetiva do Brasil com Sarah Land, da Guanabara; Ada Cinira de Albuquerque Aguiar, do Ceará, eleita Miss Simpatia; Cecília Alves Ferreira, de São Paulo; Luci Brasil, de Minas Gerais; e Vilma Torres, da Bahia.

          Na fase internacional, Carmen concorreu com as representantes dos seguintes países: Argentina (Diana Sarti, segundo lugar), Indonésia (Ratnawati J. The, terceiro lugar) Dinamarca, Israel e Grécia. Como prêmio, ganhou um automóvel zero quilometro Simca Chambord.
         A sua vitória foi destaque nas mais importantes revistas brasileiras da época. Mereceu sete páginas da revista O CRUZEIRO, com direito a chamada de capa, e duas páginas da MANCHETE. As fotos acima  são de O CRUZEIRO. A de baixo, mostrando Carmen em traje típico, foi publicada na MANCHETE.



Carmen é uma morena alta de cabelos muito pretos,olhos muito pretos,que desfila de manso acompanhada de sorriso que é seu forte por causa da boca bonita de lábios bem feitos.De saiote deixou o público encantado,mas foi de gaúcho que repetiu,em tom menor,o êxito de Ieda Vargas. Seu gaúcho estilizado é basicamente o de Miss Universo,mas o de Ieda corresponde ao traje moderno,enquanto o de Carnen representa a roupa usada nos pampas por volta de 1830. Segundo Carmen,os trajes são apenas duas das muitas possiblidades de estilização que o folclore gaúcho oferece,mas isso só foi descoberto recentemente pelo Djalma,que fez a roupa de Ieda.
(0 CRUZEIRO,02/11/1963)


          O concurso Miss Objetiva do Brasil-Miss Objetiva Internacional revelou outras mulheres lindas, tais como as pernambucanas Naida Lins de Albuquerque, Rosângela Carvalho Monteiro e Fátima Antunes e a mineira Walda Maria Franqueira, jovens maravilhosas que serão motivo de futuras  SESSÃO NOSTALGIA.

*****