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sábado, 28 de agosto de 2010

SESSÃO NOSTALGIA - Lúcia Tavares Petterle, Miss Mundo 1971

Daslan Melo Lima

PRÓLOGO

          Lúcia Tavares Petterle, 22 anos, 1,72 de altura, 58 quilos, olhos e cabelos castanhos, estudante de Medicina, carioca, residente no bairro do Leme, Rio de Janeiro, filha de Dona  Zoé e do Coronel Alceste Menezes Petterle, foi Miss Tijuca  Tênis Clube, Miss Guanabara,  vice-Miss Brasil e Miss Mundo 1971.

LÚCIA TAVARES PETTERLE, MISS GUANABARA 1971

          Eram quarenta as moças que pisaram a passarela do Maracanãzinho numa noite muito pouco carioca (fazia frio e chovia). E quem ganhou foi justamente quem  menos acreditava na vitória. Lúcia já tinha sido eleita Miss Fotogenia e se sentia realizada. Chegou até a apostar cinco cruzeiros com cada uma das suas concorrentes, como não estaria entre as quinze finalistas. Mas acontece que o destino de Lúcia Tavares Peterlle está cheio de títulos, principalmente entre os 13 e os 17 anos, quando morava em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde seu pai servia num posto militar. Agora ela está em plena guerrinha da beleza, confiante para o Miss Brasil. E  já pode ir de casa à faculdade de carro. De todos os presentes que ganhou, inclusive dez mil em dinheiro, Lúcia gostou mais do último: ela mora no Leme e estuda na Piedade.  (Revista Manchete, 03/07/1971)

 


Simpática, inteligente, desprendida, solícita, viva e bonita. Isso é um pouco da nova Miss GB, filha de militar e futura médica.  E não é o seu primeiro título de beleza: já foi Rainha das Olimpíadas Universitárias. Na primeira apresentação, de vestido longo, Lúcia já marcou sua presença como uma das favoritas. Segundo sua mãe, Dona Zoé, “o vestido era clássico, de linhas sóbrias e uma capinha ultracharmosa.  Na segunda apresentação, de maiô, a nova Miss Guanabara firmou ainda mais a sua posição na preferência do público e do júri. O resultado não podia ser outro. Todos concordavam que a beleza carioca estava em boas mãos.  (Manchete, 03/07/1971)
                    Ela jamais teve vocação para miss. Tudo começou numa brincadeira, no Tijuca Tênis Clube. Os amigos insistiam em que ela fosse a representante do clube. Lúcia dizia que não, a turma dizia que sim. Diante de tanta pressão não teve alternativa: “Está bem gente, eu me rendo.” Foi a última a se inscrever.  No dia do concurso, ao ouvir o resultado, não acreditou: “Eu fui eleita Miss Guanabara?” (Manchete, 27/11/1971)

 LÚCIA TAVARES PETTERLE, 
VICE-MISS BRASIL 1971
O Top 3 do Miss Brasil 1971. Da esquerda para a direita: Lúcia Tavares Petterle, Miss Guanabara, segundo lugar; Eliane Parreira Guimarães, Miss Minas Gerais, primeiro; e Marise Maya Costa, Miss Paraná, terceiro lugar. (Foto: Manchete)
           O Miss Brasil 1971 foi realizado no dia 1º/07/1971, no Maracanãzinho, Rio de Janeiro, com a participação de 26 candidatas.  Lúcia Tavares Peterlle perdeu apenas para Eliane Parreira Guimarães, Miss Minas Gerais, quinta colocada no Miss Universo. O segundo lugar garantiu a Lúcia Peterlle o direito de representar o Brasil no Miss Mundo, em Londres.

LÚCIA TAVARES PETTERLE, 
MISS MUNDO 1971 

O Miss Mundo foi realizado em Londres, em  10/11/1971, com a participação de 56 candidatas. Acima, o  Top 5 . Da esquerda para a direita: Miss Jamaica ,  Ava Joy Gill , quinto lugar; Miss Reino Unido, Marilyn Ann Ward, segundo; Miss Brasil, Lúcia Tavares Petterle, primeiro; Miss Portugal ,  Ana Paula de Almeida, terceiro; e Miss Guiana, Nalini Moonsar , quarto lugar. (Foto: Manchete, 27/11/1971)
                  Em Londres, acompanhada de Dona Zoé, sua mãe, ela escrevia no seu diário:
"Minha vida é como um conto de fadas onde toda a filosofia se resume no conceito de que o bom é o belo, o belo é virtuoso, a virtude é a beleza. E Nossa Senhora também não é linda, boa e perfeita? Aqui estou nesta cidade desconhecida, neste quarto de hotel, escrevendo. Tudo é diferente. As folhas tombam lá fora e faz frio. Minhas mãos nasceram para curar, para fazer uma criancinha doente sorrir, para aliviar a dor da mãe que dá á luz, para consolar os velhos. Minhas mãos nasceram hábeis no manejo dos instrumentos que combatem doenças, são mãos guerreiras no exército da saúde. Sempre pensei assim e, contudo, aqui estou nesta cidade desconhecida, neste hotel e Londres porque minhas mãos são bonitas. Com minhas mãos bonitas eu vou curar, eu nasci para dizer que a beleza também cura."
          A grande vocação de Lúcia sempre foi  a Medicina. Aluna excelente, não deixou de fazer nenhuma prova, mesmo durante as eleições de Miss Guanabara e Miss Brasil, na Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho, onde também estuda seu namorado, Pedro Carlos. Antes de participar do concurso, ela dizia: 
“Ficarei contente em ser uma boa médica, ciente de que devo fazer todos os sacrifícios para curar.”
          Mas antes de curar seus pacientes, com bondade, Lúcia terá que mostrar sua beleza ao mundo. Na preparação para o concurso de Londres, o maior aliado foi seu pai. Durante dias e dias o coronel e a filha sentavam se juntos para redigir discursos que enaltecessem o Brasil melhorando sua imagem no exterior. O que menos importava era a colocação que Lúcia poderia obter no concurso. O pai e o irmão, Beto, não esperavam a vitória. Para eles Lúcia é muito mais simpática, do que bonita. “O que  a torna mais atraente é a sua simplicidade”, comenta o irmão, mais jovem que ela. Assim, toda a atenção era concentrada em preparar uma presença que contribuísse para criar boa imagem do país no exterior.(Manchete, 27/11/1971)
O belo corpo de Lúcia Petterle e a suave  expressão do seu rosto foram decisivos para a vitória. (Manchete, 27/11/1971)
          Na bagagem, o volume maior era reservado aos livros, revistas, bandeiras e outras fontes de informações sobre o Brasil. Por outro lado, Lúcia considerou que demonstrar o nível da cultura e dos conhecimentos da mulher brasileira era mais importante que apresentar uma coleção de vestidos da última moda. Ela procurou estudar bem a História da Inglaterra e tomou aulas de conversação para aperfeiçoar o que aprendeu em cinco anos de Cultura Inglesa. Encorajada pelo pai, acompanhada pela mãe, Lúcia partiu para a Inglaterra levando como slogan a frase: “O Brasil precisa acontecer lá fora.
 
          E o Brasil aconteceu. Quase sem querer. Ela  mesmo escreveu no diário:
“Vim para um concurso de beleza, se ganhar serei Miss Mundo, e ficarei muito feliz por ter ganho, porque terei mais autoridade pra proclamar aos quatro cantos que o bom é bonito, que o bonito é bom. Se perder darei um beijo de amor na testa da vencedora e meu coração não sentirá inveja porque a vencedora será formosa e o bonito é bom e o bom é bonito.Vencer, ou perder, o que importa? O importante é ter vindo a Londres, ter conhecido tanta gente interessante de tantos países, ter visto esta cidade que eu sonhava conhecer. Ainda não tive tempo de visitá-la com vagar, como desejo, curtindo cada pedacinho.
          Ela impressionara bem as colegas, os promotores e os jornalistas, que elogiaram o seu desembaraço e cultura. Mas não contava com a vitória. Nas apostas de rua, a sua cotação estava na base de 25 por 1, enquanto as misses Inglaterra, Estados Unidos e Venezuela eram cotadas na base de 12 por 1. Mas quando Lúcia Tavares Petterlle assomou na passarela do Albert Hall, o pequeno grupo de brasileiros que estava ali torcendo por ela teve a certeza de sua vitória. Não só pelo calor dos aplausos que recebeu, mas também pela indiscutível classe que a distinguia das outras concorrentes.
          Lúcia fora a melhor no teste de personalidade. Respondeu às erguntas num inglês perfeito e quando o mestre-de-cerimônias perguntou o que fazia, disse que era estudante de medicina. “E vai especializar-se em que?” perguntou o inglês. “Em endocrinologia” respondeu. “E o que é isto?” voltou o homem. Lúcia explicou tudo com simpatia e simplicidade. (Manchete, 27/11/1971)
 

Lúcia Tavares Petterle, Miss Mundo 1971. (Foto: revista TV Programas, 15/01/1972)
          A certeza da vitória confirmou-se quando o locutor anunciou sob as palmas do público: “Miss Brasil é a nova Miss Mundo.” Logo depois de receber o título, a coroa e a faixa, ela respirava fundo e a emoção quase a impedia de responder às perguntas. “Não esperava o título. Falava-se em dezenas de outras candidatas. Na minha opinião Miss Inglaterra venceria. Gosto muito de Miss Portugal, contava pelo menos com o segundo lugar para ela. Foi a maior surpresa  da minha vida”.
          Falando a MANCHETE, Lúcia disse que se sentia muito feliz. 
“Feliz em poder proclamar que o Brasil é o país que mais se desenvolve no mundo de hoje. Desejo contribuir com meu trabalho para criar uma boa imagem do meu país em toda a parte. O Brasil é o país da liberdade, com um índice de progresso que poucos  podem ostentar.  Quero  dizer, principalmente aos jovens de todo o mundo, que o Brasil tem uma civilização de novo tipo, que pode ser medida pelos critérios das antigas civilizações. Renovamos tudo o que nos toca. Desmentimos os pessimismos e conseguimos organizar uma nação que, dentro de dez anos, estará entre as maiores do mundo. É isto principalmente que desejo fazer com meu título e meu reinado. E não posso esquecer a minha cidade do Rio de Janeiro, que me elegeu Miss Guanabara.” (Manchete,27/11/1971)

Lúcia Tavares Petterle na capa da revista Manchete, 27/11/1971.
           Como prêmio pela sua beleza Lúcia recebeu 2.500 libras (30 mil cruzeiros), o troféu Miss Mundo e um contrato de apresentações durante um ano, o que poderá render 600 mil cruzeiros.
          O Women’s Lib tentou perturbar o concurso, com passeatas e manifestações. Terminado o concurso, na saída do Royal Albert Hall um grupo de manifestantes da Women Liberation Front organizou uma manifestação contra o concurso, por elas considerado uma promoção dos “porcos reacionários”. Levando em cartazes que diziam “Não Queremos Ser belas” ou “A Beleza da Mulher é Chantagem”, as liberacionistas investiram contra 150 policiais que cercavam o Albert Hall e amassaram alguns carros, de passagem. Perguntada sobre como encarava as manifestações, Lúcia respondeu: “Estou muito contente para me importar com esta bobagem.” (Manchete, 27/11/1971)

EPÍLOGO

          Lúcia Tavares Petterle não permitiu que o seu reinado atrapalhasse seus estudos   e conseguiu manter o título graças a um acordo com a Mecca Promotions, organizadora do concurso. No ano seguinte, deixou de passar  a faixa para sua sucessora por ter fraturado um braço. Seu medico orientou que não viajasse, pois o frio de Londres prejudicaria sua recuperação.
Lúcia Tavares Petterle em foto do ano 2000. (Imagem: Liane Neves, revista Caras, 04/02/2000)
             Conheci pessoalmente Lúcia Tavares Petterle em dezembro de 1971, no Recife. Voltei a vê-la em 2001, em Caruaru, quando foi convidada especial para a comissão julgadora do concurso Miss Pernambuco.
          Há trinta e nove anos, em um quarto de hotel de Londres, Lúcia Tavares Peterlle escreveu em seu diário:
“ As folhas tombam lá fora e faz frio. Minhas mãos nasceram para curar, para fazer uma criancinha doente sorrir, para aliviar a dor da mãe que dá á luz, para consolar os velhos. (...) Com minhas mãos bonitas eu vou curar, eu nasci para dizer que a beleza também cura.”

          Nesta noite do último sábado de agosto de 2010, em Timbaúba, Pernambuco, quando as folhas tombam lá fora e faz frio, rendo minha homenagem ao  exemplo de inteligência, humanidade, classe e categoria que a  neuropediatra Dra. Lúcia Tavares Petterle imprimiu ao seu reinado de Miss. Um reinado que se prolonga até hoje, através de suas mãos  que  “... nasceram para curar, para fazer uma criancinha doente sorrir, para aliviar a dor da mãe que dá á luz, para consolar os velhos. “ 
                Mãos bonitas que eu beijei respeitosamente numa noite caruaruense.

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sábado, 21 de agosto de 2010

SESSÃO NOSTALGIA - O BAILE REAL DE RAQUEL


Daslan Melo Lima

               Na noite seguinte à da eleição da Miss Brasil 1965, ocorrida no popular e vibrante Maracanãzinho, os organizadores do concurso Miss Brasil promoveram no ambiente selecionado e cheio de glamour do Copacabana Palace o baile de coroação da carioca Maria Raquel Helena de Andrade, Miss Guanabara, eleita a mais bela brasileira de 1965.

Maria Raquel Helena de Andrade, Miss Brasil 1965, dançando com o namorado Cláudio Luís, no baile de sua coroação, no Copacabana Palace. (Imagem: revista Fatos & Fotos, 17/07/1965)
           


As misses estaduais que tinham disputado o Miss Brasil , as estrangeiras  que tinham participado do Miss Internacional do IV Centenário do Rio de Janeiro e os convidados especiais viveram uma noite inesquecível.(Imagens: Fatos & Fotos, 17/07/1965)

   

Da esquerda para a direita, Ângela Tereza Pereira Reis Neto Vasconcelos (Miss Paraná, Miss Brasil 1964); Maria Raquel  de Andrade (Miss Guanabara, Miss Brasil 1965) e Kiriaki Tsopei (Miss Grécia, Miss Universo 1964). Detalhe: Kiriaki Tsopei ingressou na carreira de atriz de cinema com o nome de Corinna Tsopei. (Imagem: capa da revista Fatos & Fotos, 17/07/1965)

Da esquerda para a direita: Berenice Lunardi (Miss Minas Gerais, terceira colocada  no Miss Brasil 1965); Sue Ann Downey (Miss Estados Unidos, Miss Internacional do IV Centenário do Rio de Janeiro, terceira colocada no Miss Universo 1965); Ângela Vasconcelos (Miss Brasil 1964); Maria Raquel de Andrade (Miss Brasil 1965) ; Kiriaki Tsopei (Miss Universo 1964) e Sandra Penno Rosa (Miss São Paulo, vice-Miss Brasil 1965,  quinta colocada no Miss Beleza Internacional 1965). (Imagem: Fatos & Fotos, 17/07/1965).

          Em determinado momento do baile, os fotógrafos registraram uma cena única, o instante em que a bela morena Marilena de Oliveira Lima, Miss Mato Grosso , quarta colocada no Miss Brasil 1965, cumprimentou  a loura Maria Raquel  de Andrade. Se dependesse dos aplausos do público do Maracanãzinho, Marilena teria sido eleita  a  mais bela brasileira de 1965. Mas não havia nenhum clima de rivalidade entre ambas. Vencedora e vencida, no auge de sua juventude e beleza, deram as mãos e abriram seus mais belos sorrisos. (Imagem: Fatos & Fotos, 17/07/1965)

Expectativas e canseiras, vitórias  e derrotas foram esquecidas. Felizes, as moças dançam. Insistindo para que sejam tocadas músicas modernas, as misses internacionais solicitam ritmos da bossa nova. O momento lhes pertence. Participam de um baile real. Novas cinderelas, sentem-se, cada qual e todas juntas, participantes de um acontecimento ímpar em suas vidas. Amanhã deixarão de viver no mundo de sonho que é o instante atual. Voltarão ao dia a dia comum. Não importa. Terão, para o resto da vida, uma recordação imperecível.
(Paulo Galante, Fatos & Fotos, 17/07/1965)

          Quarenta e cinco anos depois que aquelas garotas maravilhosas voltaram a ter um dia a dia comum, eu não tenho dúvida que as lembranças daquele baile de 04 de julho de 1965 ocupam um espaço importante nas suas imperecíveis recordações.
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sábado, 14 de agosto de 2010

SESSÃO NOSTALGIA - Porque choram as Misses

Daslan Melo Lima

PRÓLOGO




            Era abril de 1966 e o Brasil vivia o segundo ano da ditadura militar, quando a Editora Abril lançou a revista Realidade, uma publicação que marcou época na história da imprensa brasileira.  A capa trazia Pelé com um busby , acessório que a guarda inglesa utiliza na cabeça,  fazendo alusão à Copa de 1966, realizada na Inglaterra. Ousada, instigante, diferente, Realidade abordava temas poucas vezes discutidos por outros jornais e revistas, chegando, por isso, a sofrer repressões do regime militar.


          No mês de agosto de 1966, a revista Realidade circulou nas bancas de todo o país com uma capa estranha e uma chamada ainda mais: “Porque Choram as Misses”. O concurso Miss Brasil estava no auge e causava tanto interesse quanto a Copa do Mundo. Ao contrário das revistas O Cruzeiro, Manchete e Fatos & Fotos que colocava  a Miss Brasil na capa, sorridente, de  coroa, faixa, manto e cetro,  a Realidade colocou o busto de um manequim, nu, apenas com a faixa de Miss Brasil.
          Na Sessão Nostalgia desta semana, trago os trechos mais importantes da reportagem que o  José Carlos Marão fez para a Realidade.  Um verdadeiro documento de uma época. 

POBRE MENINA MISS

          Beleza anda de braço com ridículo nos concursos em que moças bonitas, ingênuas e decentes emprestam sua graça a essa coisa sem graça que é correr atrás de sonhos numa passarela onde, diante da multidão, um júri escolhe  a    pobre menina miss.

O rosto é bonito, a faixa de miss cobre um manequim, símbolo do que fazem das moças que disputam concursos de beleza. Foto de Lew Parrella
          Às oito da noite, 40 mil pessoas já estão no Maracanãzinho, pois nada mais importante existe para elas que um concurso de Mis Brasil. Às nove e cinco, o povo gritava: “ - Co-me-ça! Co-me-ça!”  Há  muitos outros ridículos, que as moças do interior, cobiçadoras da glória de ser rainha, têm de enfrentar, quando chegam ao Rio de Janeiro, depois de já terem passado pelos desfiles em seus Estados.
           Na hora em que descem do avião, acompanhadas de suas orgulhosas mamães, encontram logo os donos do concurso: organizadores, guardiãs, instrutoras, cicerones e, entre esses, um senhor de proeminente barriga, paletó jaquetão e bigodinho à antiga, que, desde a segunda-feira , quando elas chegam, até o sábado do concurso, comanda militarmente e aos gritos todas as moças, com exceção das suas preferidas. Com toda a pose e o ar de dono das misses, consegue deixar com medo as mais bobinhas. Mas outras, que conseguem entender melhor o homem, não têm muito problema em rir dele, aos primeiros gritos.
          Esse senhor de jaquetão e bigodinho, dito por si mesmo temível colunista social, é eficientemente auxiliado na sua tarefa de comando por outro membro da comissão organizadora, por nome Arnaldo.  O primeiro trabalho dos dois é conhecer o melhor possível, entre o aeroporto e o hotel, no dia da chegada, as misses e acompanhantes: – “Pois, afinal, precisamos saber com quem vamos tratar.”
          Chegam as misses ao hotel e, na porta, já está uma multidão curiosíssima para vê-las. Lá dentro, os organizadores já estão dando ordens ao pessoal de serviço no hotel, acompanhando o preenchimento das fichas das candidatas (as fichas que podem ler, ele lêem), e acompanhando as candidatas aos seus apartamentos. Quando as mocinhas e mamães sonhadoras estão instaladas, recebem alguns impressos da comissão organizadora: programa, regulamento do concurso, instruções para o comportamento dentro do hotel e informações – estas só para as acompanhantes – de como bem acompanhar as candidatas a Miss Brasil.
          O programa, cheio de festas, coquetéis, passeios e coisas que as mocinhas na maioria nunca viram, entusiasma a todas, mas só antes de começar a ser cumprido. Lá pelo segundo ou terceiro dia, além do cansaço – que este ano deixou algumas de cama – já começam a perceber que nas festas estão apenas sendo mostradas para pessoas em que os organizadores têm interesse, e acaba o entusiasmo pelo programa. Enquanto isso, no hotel onde elas se hospedam, com paredes rachadas e enormes salões vazios, o pessoal de serviço não está absolutamente contente: – “ Essa turma do concurso dá serviço e não dá gorjeta. A gente não pode servir direito os que dão gorjetas e passamos uma semana ruim. "
          Em duas salinhas sujas e cinzentas, funciona, o ano inteiro, a Comissão Central do Concurso de Miss Brasil. O emprego é até bom, pois concurso só há uma vez por ano. Lá, os senhores organizadores preparam os regulamentos, onde exigem das candidatas, entre outras coisas, “reputação moral ilibada”. O item 8, sozinho, exige cinco compromissos da privilegiada. O primeiro é cumprir rigorosamente o programa. O segundo é mais sério: não pode fazer propaganda de nenhum produto comercial, a não ser o dos patrocinadores do concurso. Compromete-se também a, caso eleita Miss Brasil, assinar um contrato de “prestação de serviços”, por seis meses, sem dizer nem com quem, nem que serviços devem ser prestados. Mais um compromisso: se não for eleita Miss Brasil, não pode participar de nenhum anúncio de produto comercial concorrente do patrocinador do concurso no seu Estado. E esclarece bem o regulamento: a miss, ao embarcar para o Rio, deve levar na mala um vestido de gala e um traje típico. Antes de viajar, elas recebem 200 mil cruzeiros dos organizadores, como “ajuda de custas”.
          Para as excelentíssimas senhoras acompanhantes, a comissão esclarece que deverão pagar todos os serviços extraordinários (lavanderia  por exemplo) pois os organizadores garantem apenas cama e comida. O horário do programa deve ser cumprido e qualquer dúvida pode ser apresentada às guardiãs que, se não souberem resolver, a levarão ao Bigodinho-Jaquetão, que resolve tudo.

MULHER DE BENGALA MEDE AS MISSES E ENSINA DESFILAR / BENGALA FAZ A MARCAÇÃO

           Miss tem que saber desfilar, para não dar vexame. E vão para as mãos de dona Maria Augusta, que tem uma escola de modelos, e há nove anos acompanha o concurso de Miss Brasil, ensinando andar, parar e rodopiar. Comanda tudo com uma bengala, e umas batidas no chão: - “A marcação da bengala é a marcação internacional. As moças saem daqui sabendo desfilar como nos outros países.”
 

           Na terça-feira depois da chegada, há o primeiro contato entre as mocinhas e Maria Augusta, para as medidas. Ela mesma, ou uma sua auxiliar, tira as medidas – busto, cintura, quadris, coxa, tornozelo, altura e peso – só na presença de senhoras, em lugar onde ninguém mais pode entrar. Nesse dia, as candidatas fazem seu desfilezinho inicial, para Maria Augusta ver qualidades e defeitos.
          Na quinta-feira, misturados com os coquetéis e visitas, as misses têm um ensaio de manhã, outro à noite. Começam a aprender a andar ao som de bengalas, já no próprio Maracanãzinho. Às vezes não deixam a imprensa assistir aos treinos, porque “as moças estão inibidas”.

Nem todas as moças aprendem a desfilar, como Maria Augusta quer. Na sexta-feira, ensaio geral, quem não aprende desfila errado.
          Na sexta-feira, o ensaio é geral. As mocinhas já aparecem de maiô, como vão desfilar na contenda do dia seguinte. Já há público, imprensa e também as misses internacionais, chamadas pelos senhores organizadores para desfilar no dia do concurso e entreter assim o ávido público, enquanto as senhoritas brasileiras trocam de roupa.

DUAS FORA DO PÁREO

          Na sexta-feira do ensaio geral, já é feito o primeiro concurso. De repente, aparece um cidadão, distribuindo papeizinhos em branco para os fotógrafos:
- “Olha, é para escolher a Miss Fotogenia.”
- “Já ou depois do ensaio?”
- “Já.”
- “Mas como, se eu não sei como elas vão sair nas fotos?”
- “Ah, que é isso? Coloca qualquer nome aí, rapaz.”
          Aí, um deles diz que fulana é fotogênica, os outros acreditam e ela acaba ganhando. Alguns fotógrafos atrapalham um pouquinho a democrática votação:
- “Olha companheiro, eu não si bem em quem votar. Você põe aí o nome que achar melhor. Eu concordo.”
          A Miss Simpatia é eleita na mesma base, com votação um pouco mais ampla. E as duas recebem a faixa durante o ensaio e vão embora, levando a certeza de que não estão ente as favoritas. Maria Augusta, de muita experiência, diz que é assim. Quando as moças recebem um título antes, já estão fora do páreo.

MISS BRASIL QUASE DEU O FORA

          - “Minha filha não recebeu ajuda de ninguém, nem do Governo, nem dos organizadores. Além disso, está muito maltratada. O senhor acha que nós estamos aqui para agüentar mau trato?”
        Na quarta-feira da semana do concurso, a mãe de Miss Guanabara, depois eleita Miss Brasil, estava falando assim. É que o Bigodinho-Jaquetão e o senhor Arnaldo estavam gritando muito. E Miss Guanabara ameaçou abandonar o concurso, se o tratamento não melhorasse.
          A queixa aconteceu no dia em que as moças têm de posar para as “revistas especializadas em miss”. Aí são levadas em ônibus para uma praia, convidadas a trocar de roupa atrás de umas pedras, para, depois, tirar as fotos nas mesmas poses em que se vê fotografias de miss nas revistas, há dez anos mais ou menos. E ai da moça que se atrasa um pouco. Ouve o que não quer.     Com  Miss Guanabara, alem dos gritos, houve mais um problema: foi a que ficou mais perto das ondas, veio uma das  fortes e lá se foi o seu penteado. Na volta, abandonou a “caravana da beleza” (dois ônibus comuns) para fazer penteado novo.
     O fato é que, no dia seguinte, os jornais concorrentes do jornal que promove o concurso saíram com manchetes aproveitando a ameaça da candidata carioca de se retirar do concurso. E, num deles, um dos títulos de primeira página era assim: “Homem que beijou miss quase leva Ana Cristina a renunciar”. Era só o título, a notícia não fazia nenhuma referência a beijos.

BIGODINHO-JAQUETÃO GOSTA É DE MOSTRAR AUTORIDADE / A TORTA DE MISS BAHIA

          Quando chega o sábado, dia do concurso, misses e acompanhantes já não se agüentam em pé, de tanto que tiveram de andar, passear e mostrar-se. Só não estão muito cansados os organizadores, que podem revezar-se na tarefa de fiscalizar as moças.
          Na sexta-feira à noite, no ensaio geral, as candidatas desfilaram como se já fosse o dia do grande concurso. E desfilaram também, sob vaiais, as misses internacionais, que a organização trouxe, para “dar brilho à grande festa”.
        As moças estrangeiras ficaram por conta do Arnaldo, auxiliar do Bigodinho-Jaquetão. Andou com elas de automóvel para baixo e para cima, pela cidade toda e a imprensa só conseguia se aproximar quando ele não estava por perto. Arnaldo chegou a tirar a caneta da mão de Miss Argentina, que estava dando autógrafo a uns estudantes, para colocá-la dentro do automóvel, e deixá-la lá, esperando um motorista que demorou bastante a aparecer.
        Mas o Bigodinho-Jaquetão também teve a sua oportunidade de mostrar autoridade às misses internacionais. Na sexta-feira do ensaio, Miss Argentina e Miss Bahia, por força de cumprirem à risca o “muito humano” programa criado pelos organizadores, chegaram para jantar alguns minutos depois das outras. O Bigodinho, muito bravo, começou a correr pelo restaurante do hotel, chamando garçons e mandando as duas comerem depressa. Miss Argentina, coitada, acreditou no homem e nem comeu direito. Foi logo para o ônibus que levaria as misses para o ensaio. Mas Miss Bahia, um pouco mais esperta, tratou de comer o suficiente pelo menos para ter forças de ensaiar. Quando terminou, o Bigodinho quis fazê-la levantar-se, mas não adiantou. A coisa já tinha virado briga e ela decidiu comer sobremesa. E o Bigodinho resolveu então gritar com o garçom, que pagou o pato: - “Oh, seu moleza, quer trazer logo uma torta!”

 COMEÇA O GRANDE DIA

          O programa do sábado diz: “manhã e tarde livre para preparação de vestidos, cabeleireiros, manicura etc.” Mas de manhã, miss nenhuma consegue levantar-se, tentando recuperar o sono perdido nos dias anteriores. As acompanhantes, menos cansadas, vão tratando dos vestidos, dos sapatos e outros pormenores.  À tarde, elas vão aos cabeleireiros, instalados no quarto andar do próprio hotel. Ficam guardadas por duas guardiãs, que não deixam homem nenhum entrar, a não ser o Bigodinho-Jaquetão, o Arnaldo, ou algum outro “organizador”.
           Lá pelas seis e quinze, contrariando todas as disposições desses dois senhores, as misses saíram do hotel em um ônibus, as acompanhantes em outro. Chegando ao Maracanãzinho, o porteiro deixou as misses entrar, mas implicou bastante com as acompanhantes. E a acompanhante de Miss Brasília, que tinha perdido sua identificação, teve de esperar muito tempo, segurando na mão a mala com os vestidos, até aparecer alguém, da comissão que amansasse o porteiro.
  -” Maria Helena, quantos anos você tem?”
          Maria Helena, Miss Brasília, não consegue falar. A resposta é uma choradeira. A moça foi acusada de ser menor de idade, pela segunda colocada do concurso, lá em Brasília. Conseguiram até uma sentença judicial, afirmando que a certidão de Maria Helena estava rasurada e que ela tinha 15 e não 18 anos.  No sábado, desceu no Rio de Janeiro a segunda colocada no concurso Miss Brasília, disposta a desfilar, esperando a desclassificação da outra, mas o presidente da comissão, chamador doutor Adilson, e seu secretário, chamaram major Amado, decidiram que seria uma desumanidade impedir a moça de desfilar.

 “TÁ NA HORA, PLÁ-PLÁ-PLÁ” 

          Às oito e meia, o Maracanãzinho lotado, começa uma briga (só de boca não de tapa) bem na entrada da passarela. A briga foi assim: os jornalistas sempre consideraram o curralzinho que lhes reservam no meio da passarela como o pior lugar para assistir aos desfiles. Esse lugar comporta 15 pessoas e recebe normalmente umas 60. Neste ano, os fotógrafos decidiram que os redatores atrapalham muito, na hora de tirar fotos, e conseguiram que um dos organizadores proibisse a entrada de quem não tivesse máquina.
           Os redatores sempre detestaram assistir dali ao concurso, mas resolveram que, neste ano, só dali teriam boa visão. E começou a briga. Grita daqui, grita dali, vem a Polícia, vem os organizadores. A Polícia fica esperando a comissão decidir, mas os organizadores também estão divididos, entre fotógrafos e não fotógrafos. Por fim, entrou quem quis entrar no curralzinho, jornalista ou não. Esta briga só deu para divertir o público que estava mais próximo.  Os de longe, não conseguiram perceber tudo o que se passava. Nessa altura, pouco mais de nove horas, a turma começou a gritar, com louvável fôlego, que resistiu até 15 para as dez: - Tá na hora. Plá-plá-plá. Tá na hora. Plá-plá-plá. Alguns organizados gritavam junto.  Até que, no fim, entre vaias e aplausos, surgem um ator e uma atriz de televisão. O moço começa a falar em nata das beldades verdes-amarelas e coisas assim. Aí chega Maria Augusta, com sua bengalinha, dá uma batida no chão, as meninas obedecem prontamente e começa o desfile.
           Numa das mesas, um senhor – apesar da cara de conquistador de mocinhas bonitas – lembra, um pouco irônico, a opinião do Arcebispo de Cuiabá, dom Aquino, sobre concursos de misses: “O que é um concurso de beleza, senão a exposição e feira de belos animais, que disputam entre si o prêmio por seus mais belos músculos ou robustez?” Nessa hora o locutor começa a ler as medidas das moças que, com o traje de gala, desfilam todas de uma vez, depois uma por uma. São vaiadas e aplaudidas, intercaladamente, conforme o nome do Estado seja simpático ou não ao público da Guanabara. Miss Guanabara, pela beleza e pelo bairrismo, é a Miss mais aplaudida. Miss Pernambuco – que não tem culpa de se chamar Raiolândia Castelo Branco – recebe a mais violenta vaia da noite. Mas mantém a classe, agüenta quase até o fim, quando começa a correr e é levada aos camarins nos braços de Maria Augusta

MISS SÃO PAULO MUDA O PASSO

          Os homens do concurso, não satisfeitos em fazer as moças desfilar com um vestido enorme, pesado (para martírio das candidatas de Mato Grosso, que operou o pé; do Espírito Santo, com o dedão do pé inchado; e de São Paulo, que estava com febre), e depois de maiô, obrigam também as sonhadoras mocinhas usarem traje típico.


          Miss Brasília, a dos prováveis 15 anos, entrou carregando flores por todo o corpo. Miss Minas Gerais estava fantasiada de “esmeralda e ouro”: uma roupa curtinha, tipo maiô, coberta de placas verdes com uma bolinha amarela no centro. Outras carregavam cestas de flores, generosamente distribuídas, para conseguir um pouco mais de torcida. A Miss São Paulo não conseguiu desfilar no mesmo passo que as outras: estava com macacão estilizado de operário, mas carregando na cabeça uma peneira enorme, com maquetas de prédios em cima. Depois que desfilou, foram necessários dois policiais para carregar a peneira com os prédios.
          Os trajes típicos são criados por costureiros, criadores de fantasias de carnaval. Mas como por traje típico entende-se, normalmente, traje que se usa na região onde foi eleita a miss, muita gente pode ter saído do Maracanãzinho pensando que as moças de São Paulo vão trabalhar com prédio na cabeça e que as senhoritas sergipanas, nos seus passeios, carregam uma torre de petróleo embaixo do braço.

NINGUÉM SABE PORQUE DEPOIS AS MOÇAS QUEREM CHORAR  /  E  TUDO VAI COMEÇAR OUTRA VEZ
Depois de oito dias de mostrar-se, mal dormir e mal comer, a “glória” de ser a mais bonita.
          Das 26 mocinhas simples, de respeitosas famílias do interior ou das capitais, que estão ali sonhando com a glória de ser a mais bonita, oito ganham o apelido de finalistas. As outras 18, tristíssimas, são obrigadas a ficar ali, em pé, curtindo mágoa e assistindo a glória das escolhidas. É quando já sabe que não vai mesmo ganhar que a miss sente todo o cansaço da “agradável semana da beleza”, como dizem os senhores que cuidam do concurso.
          Antes dos jurados chamarem as oito do fim, todas as moças são obrigadas a cantar, em coro, uma música chamada Hino das Misses. Mas todas desafinam e o que salva é o disco, tocado de fundo, prevendo mesmo as desafinações. Só que o artista-apresentador leva o microfone pertinho de cada miss, para que se perceba como desafina cada uma delas.
          Maria Augusta não entende os desmaios, depois de anunciadas as finalistas: - “As moças querem chorar depois do concurso. Não sei por quê”. Mas as moças sabem: querem chorar todos os ensaios, todos os desfiles por que passaram, desde que foram candidatas a rainha de beleza do seu Estado, até a exibição final, no Maracanãzinho.
          O fim é rápido. Os auto-falantes anunciam o nome da Miss Brasil e os da segunda e terceira colocadas. Depois, Miss Brasil é levada para os estúdios das revistas especializadas, instalados no próprio Maracanãzinho. A festa acabou-se; às derrotadas resta ouvir os estouros do champanha que não vão beber; com as três vencedoras fica a certeza de que tudo vai recomeçar, em outros lugares do mundo, onde locutores dirão em inglês – e em polegadas – quanto mede cada parte dos seus corpos.

EPÍLOGO

As quatro finalistas do concurso Miss Brasil 1966. Da esquerda para a direita: Virgínia Barbosa de Souza, Miss Minas Gerais (quarto lugar), France Carneiro Nogueira, Miss Ceará (terceiro lugar);  Ana Cristina Ridzi (Miss Guanabara, primeiro lugar) e Marluce Rocha Manvailler (Miss Mato Grosso, segundo lugar). Foto: reprodução de imagem publicada na revista Manchete, 09/07/1966.
         A reportagem da revista Realidade cometeu alguns equívocos. Nem sempre as moças eleitas Miss Simpatia e Miss Fotogenia ficavam fora das finalistas. Em 1966, por exemplo, Miss Simpatia foi Virgínia Barbosa de Souza, Miss Minas Gerais,  quarta colocada, enquanto a Miss Fotogenia, Marluce Rocha Manvailler, Miss Mato Grosso , foi a segunda colocada.  O bairrismo do carioca era relativo. Algumas jovens que ostentaram a faixa de Miss Guanabara foram eleitas Miss Brasil, ou ficaram entre as três finalistas,  sem contar com o apoio do público do Maracanãzinho.


               Raiolanda Castelo Branco, foto acima,  foi vaiada por causa do sobrenome. O Brasil vivia a época da ditadura militar e quem governava o país era o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (1897-1967). Imagem: Jornal do Commercio-Recife.
          O  Maracanãzinho deixou de ser o palco da beleza brasileira em 1973, época em que o concurso Miss Brasil foi transferido para  Brasília. A revista Realidade deixou de circular em 1976.
          As misses de hoje também choram, pelo cansaço dos ensaios dos desfiles, pela emoção da vitória, pela decepção da derrota e talvez pela figura impaciente de algum organizador exigente como aquele enigmático Bigodinho-Jaquetão de 1966. 

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sábado, 7 de agosto de 2010

SESSÃO NOSTALGIA - Regina Maria Rosemburgo, Miss Lagoinha Country Club 1958

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Daslan Melo Lima



          Maracanãzinho, Rio de Janeiro, 12 de junho de 1958. Adalgisa Colombo, Miss Botafogo, foi eleita Miss Distrito Federal sob protestos e vaias, pois a preferida do público era Ivone Richter, Miss Riachuelo. Adalgisa Colombo, que tinha sido Miss Cinelândia e era manequim da Casa Canadá, ousou driblar as orientações e valeu-se de truques para valorizar seu tipo, tais como: usou Óleo Johnson nas pernas em lugar de pancake para dar brilho e sensualidade às pernas; deu uma cavadinha no maiô para evidenciar a sexualidade e prendeu o cabelo, penteando-o em estilo coque, para valorizar o pescoço.
“...Mesmo assim o Miss Distrito Federal teria sido mais animado com a presença de Regina Rosemburgo, a Miss Lagoinha, que infelizmente desistiu na véspera por problemas particulares. Era a futura Regina Léclery (...) Com Regina, teria havido maiôs ainda mais cavados ou sabe-se lá que outros truques.”  (Feliz 1958, O ano que não terminou, Joaquim Ferreira dos Santos-Editora Record-Rio-1997.

REGINA ROSEMBURGO, DO LEME A PARIS

Regina Maria Rosemburgo. Capa da revista O Cruzeiro, 08/11/1958
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Regina Maria Rosemburgo. Capa da revista Fatos & Fotos, 31/03/1962
O poeta Vinicíus de Moraes (1913-1980) e Regina Maria Rosemburgo Léclery . Foto: Revista Fatos & Fotos, 23/07/1973.
           Aos quinze anos, ela era uma garota típica de Copacabana, alegre e descontraída, dividindo-se entre a liberdade da praia e os limites de um apartamento. Aos vinte, segundo suas próprias palavras, foi “jogada pelos colunistas no estranho mundo da alta sociedade”. Pouco depois, o casamento com o milionário Wallace Simonsen, a fortuna, a fama, a filha, tudo acontecendo muito rapidamente na vida de uma moça que já então se definia como “uma nova versão de Cinderela”.
          Dois anos de casamento, a separação, repetidas voltas ao mundo, amizade com os Kennedy, os Patiño, os Rothschild, os Rubirosa, através dos quais conheceu o que viria a ser o seu segundo marido, Gérard Léclery, rico industrial francês. A vida de Regina Léclery, ex-Simonsen, nascida  Rosemburgo, daria um livro.  
Revista Fatos & Fotos, 23/06/1973
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Gérard e Regina Léclery com o fruto do seu casamento: a filha Georgiana, de três anos de idade. Reprodução de imagem. Foto: Marisa Alves de Lima, revista Realidade, maio 1973.
Regina Léclery. Reprodução de foto feita por Marisa Alves de Lima, revista Realidade, maio 1973.
           Regina Rosemburgo nasceu no Leme. Trabalhou como recepcionista em banco. Foi Charm-Girl, Miss Lagoinha Country Club – “aquelas frescuras todas”, com as definiu depois. Casou-se em 1963 com o milionário Wallinho Simonsen e passou a freqüentar o Jet-Set. Em outubro de 1963, o casal passou com John Kennedy, em sua propriedade de Palm Beach, o último week-end da vida do presidente: na sexta-feira seguinte ele seria assassinado.
          Amiga de Salvador Dali, Roger Vadim, Jane Fonda, Marisa Berenson e Gunther Sachs, Regina teve o bom gosto de não esquecer as amizades antigas e obscuras. Bom gosto que se revelou próximo do bom senso: apesar de ser uma mulher que tem tudo para suscitar inveja, Regina é uma pessoa da qual ninguém fala mal. Separou-se em 1966, quando já conhecia Gérard Léclery, dono da maior indústria de calçados da França. Mas só se casou com ele em 1968, depois de uma perseguição de dois anos e meio, que admite ter sido árdua, mas que começou da maneira mais desinteressada possível: ao ser apresentada ao futuro marido, achou que ele não passava de um dos secretários de Gunther Sachs. Atualmente, Regina Maria Rosemburgo Léclery tem casas na França, na Suiça e na Barra da Tijuca, além de um apartamento em Paris. Tinha um grande iate, ancorado permanentemente em Taiti, mas ele pegou fogo. Seu marido acaba de inaugurar, no Rio, uma fábrica de sapatos, Clerina. Ela acaba de filmar com Nélson Pereira dos Santos, Who is Beta? (Quem é Beta?), um science fiction que, em francês , se chamará Pás de Violence Entre Nous (Nada de Violência Entre Nós). Os que viram o filme dizem que ele é bom. Mas Regina faz questão de afirmar que não se acha uma grande atriz.” 
Texto de Daniel Más (1943-1989), revista Realidade, maio 1973.
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Regina Léclery. Reproduções de imagens. Fotos: Marisa Alves de Lima, revista Realidade, maio 1973.
           "Eu era muito amiga do Gláuber Rocha. Ele escreveu Deus e O Diabo lá em casa. Nós trabalhamos juntos, eu que ia fazer o filme. Meus amigos, na época, eram Paulo César Sarraceni, Cacá Diegues, Nélson Pereira dos Santos, Luís Carlos Barreto, Joaquim Pedro. Gláuber estava se separando da primeira mulher, a Helena Ignês. A atual, a Tosinha, ele conheceu comigo. Nós fomos fazer um curso de cinema na Católica, em 1961. Aliás, a única vez que eu entrei numa faculdade na minha vida com Gláuber para fazer esse curso de cinema. E a Rosinha estava lá. Mas aí eu me casei com o Wallinho Simonsen e não fiz mais o filme. A gente era bem garoto. Eu esticava o cabelo de Gláuber, ele ia lá para casa e mamãe dizia para ele: “Entra direto para o banheiro e toma banho. Depois vem comer!” Várias cenas de Deus e o Diabo a gente imaginou juntos. Mas então eu me casei com o Wallinho Simonsen e não fiz mais o filme. O papel de Ioná Magalhães era o meu. "
Revista Realidade, maio 1973.
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Regina Léclery. Foto:Revista Fatos & Fotos, 23/07/1973
          Embora fosse frequentemente apontada como uma das mais elegantes mulheres do Brasil – Ibrahim Sued, inclusive, chegou a incluí-la em sua lista das dez mais – Regina considerava a elegância um negócio sem importância”, pouco se preocupando com a moda. Suas amigas, como Carmen Mayring Veiga e Teresa de Sousa Campos, é que muitas vezes a levavam, quase à força, para fazer compras nas butiques de Ipanema. No fundo, essa despreocupação, às vezes confundindo-se  com uma displicência desconcertante, traía a garota típica de Copacabana que, como uma Cinderela, transforma-se em princesa da noite para o dia.
          Ultimamente, em razão dos negócios do marido, era em Paris que vivia mais tempo essa princesa morena e de olhos verdes. Sua residência, uma luxuosa mansão – na sofisticada Avenue Foch, no andar imediatamente acima do de Gunther Sachs. Quadros de Gaugin, Renoir, Picasso, a presença do motorista uniformizado, de um cozinheiro, um garçom, um maître e até de um valet de chambre davam a tudo um certo ar de nobreza.
          Suas amizades, uma extensa lista de celebridades: Brigitte Bardot (com quem fez um safari na África), Roger Vadim, Odile Rubirosa, Jane Fonda, Roman Polanski, Florinda Bolkan, Salvador Dali, Grace Kelly. Algumas dessas personalidades – como Florinda, Odile e Polanski, que aqui estiveram para o carnaval deste ano – foram trazidas ao Brasil por Regina, convidados seus, que hospedava em sua magnífica casa na Barra. 
Texto e imagem: Revista Fatos & Fotos, 23/07/1973.
 
REGINA LÉCLERY, A MORTE EM PARIS

Regina Léclery. Capa da revista Fatos & Fotos, 23/07/1973.
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Regina Léclery. Capa da revista O Cruzeiro, 27/07/1973
          Boeing 707 da Varig, prefixo PP-VJZ, Voo 820 (Rio-Paris), Paris, 11 de julho de 1973. Eram 15 horas de Paris. Mais de 90 segundos, e todos estariam salvos. Entretanto, quando o comandante Gilberto Silva comunicou à torre do Aeroporto de Orly que havia fogo a bordo do avião, só pode voar mais 46 Km. Caiu num campo de plantação de cebolas, onde tentara descer, para salvar os passageiros, a tripulação e os habitantes de um bairro de Paris. Resultado: 122 mortos, entre eles, Filinto Muller, presidente do Senado e do Congresso: Regina Léclery, figura top da sociedade; o cantor Agostinho dos Santos, o iatista tricampeão mundial Joerg Bruder e os jornalistas Júlio Delamare e Antônio Carlos Scavone. Uma tragédia que chocou 100 milhões de brasileiros.
          Foi um dos maiores desastres ocorridos em Orly. O aeroporto foi interditado e imediato socorro prestado pelas autoridades, que conseguiram retirar 12 tripulantes ainda com vida dos destroços.
(Revista Fatos & Fotos, 23/07/1973)
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          Regina viera ao Rio somente para tratar de assuntos referentes à sua casa. Ia morar definitivamente em Paris e Genebra, onde estava pronta sua nova residência. Havia ainda outra, em Taiti. Viajara sozinha ao Brasil, deixando as filhas em Paris, com a governanta. Eram três as filhas: Roberta, nove anos, do casamento com Wallace Simonsen; Georgiana, de três, do casamento com Gérard Lecléry; e Márcia, de nove, adotiva, mas criada em pé de igualdade com as outras.
          Um traço inesquecível de Regina: se alguém mostrasse vontade de possuir qualquer objeto que lhe pertencesse, ela não hesitava um segundo, e a pessoa o recebia como presente.
Revista Fatos & Fotos, 23/07/1973.


REGINA VIVEU COMO SE PRESSENTISSE QUE SUA VIDA IA SER CURTA

Regina Maria Rosemburgo Léclery (1939-1973). Reprodução de imagem. Foto: Marisa Alves de Lima, revista Realidade, maio 1973.
            A vida, para Regina, talvez tenha sido uma sucessão de experiências fascinantes. Ou de sonhos realizados, como os de uma Cinderela. De curta duração, porém. Terminou num vôo entre duas cidades que ela amava: o Rio onde nasceu e a Paris que adotou como sua cidade.
Fatos & Fotos, 23/07/1973.
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Frases de Regina Léclery:
“Morrer aos 30 ou aos 100 anos, é a mesma coisa.”
“Minha vida não é um festival, mas eu não posso me impedir de ser alegre. Talvez seja uma questão de temperamento, mais do que de filosofia. Na verdade, filosofia eu não tenho nenhuma. Apenas, sou realista. ”
“Embora vocês não acreditem, entre o amor e o dinheiro, eu prefiro o amor.
Revista Manchete.
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          Um filme sobre a vida de Regina Rosemburgo Léclery pareceria, em sua maior parte, um moderno conto de fadas. Ela viveu como se pressentisse que sua vida ia ser curta. Tão bela quanto as mais belas mulheres do mundo, mas certamente com muito mais charme e simpatia do que qualquer outra, Regina Rosemburgo Léclery desapareceu esta semana, num desastre de avião, sem a sua presença, a vida dos que a conheceram ficará menos alegre. Isto porque a amizade de Regina era uma festa para todos, fossem eles íntimos ou estranhos, ricos ou humildes. Carioca legítima, do Leme, cresceu na praia de Copacabana e desenvolveu a sua arte de viver através do mundo, desde uma escola na Suíça até os veleiros em alto-mar, os salões de Paris e Nova Iorque, os meios artísticos e também no convívio com escritores e até políticos internacionais. No entanto, essa criatura privilegiada não nascera rica. Sua fortuna inicial fora exclusivamente os seus dons pessoais que, além da beleza física, eram a bondade e uma inteligência marcada pelo senso de humor. Mas, tendo-se tornado realmente rica pelo casamento com o jovem industrial francês Gérard Léclery, Regina costumava dizer: “Embora  vocês não acreditem, entre o amor e o dinheiro eu prefiro o amor.” Amor pela vida sem limites, amor pelos filhos, amor por aqueles que a amavam. Em 34 anos de existência, Regina tentou gozar saudavelmente todos os seus bons momentos, como se já soubesse que sua vida ia ser curta.
Revista Manchete.

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          Voltei a assistir recentemente o filme, Deus e O Diabo na Terra do Sol, dirigido por Gláuber Rocha (1939-1981), desta vez em DVD, e fiquei o tempo todo imaginando como seria a interpretação que Regina Léclery teria dado à personagem Rosa, vivida por Ioná Magalhães. Foi impossível não pensar o tempo todo em Regina Maria Rosemburgo, Miss Lagoinha Country Club, que, caso não tivesse desistido de ir ao Maracanãzinho na véspera daquele distante 12 de junho de 1958, poderia ter deixado Adalgisa Colombo, Miss Botafogo, para trás e vencido o Miss Distrito Federal. Adalgisa Colombo enfrentou outras vaias ao ganhar o Miss Brasil, pois  a preferida do público era Sônia Maria Campos, Miss Pernambuco,segunda colocada. Em Long Beach, Adalgisa Colombo foi vice-Miss Universo, perdendo para Luz Marina Zuluaga, Miss Colômbia.
          Revendo Deus e o Diabo na Terra do Sol, pensei o tempo todo em Regina Léclery, a inesquecível Regina Maria Rosemburgo, Miss Lagoinha Country Club, que, caso não tivesse desistido de ir ao Maracanãzinho na véspera daquele distante 12 de junho de 1958, poderia ter sido Miss Distrito Federal, Miss Brasil, quiçá Miss Universo 1958.
          
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