Daslan Melo Lima
Nas reportagens das famosas revistas O Cruzeiro
e Manchete,
que focalizavam em generosas reportagens os concursos de Misses, o nome do cearense Indalécio Wanderley (1928-2001) e do baiano Gervásio Batista sempre apareciam nos créditos das imagens. Indalécio Wanderley na O Cruzeiro
e Gervásio Batista na Manchete.
Não havia rivalidade entre os dois repórteres-fotográficos.Eles eram amigos e cada um se esforçava para que suas revistas aparecessem nas bancas da forma mais atraente possível.
Na revista Manchete, de 25/07/1964, foi publicado um diálogo entre Gervásio
Batista e Indalécio Wanderley,
dias antes de os mesmos embarcarem para Miami Beach, onde iriam fazer a
cobertura do concurso Miss Universo. Transcrevo a referida matéria abaixo, na
íntegra, conservando, inclusive, a grafia
da época, como forma de resgatar parte de um tempo que se foi. Na capa da citada Manchete, em foto de Gervásio Batista, as belas Ângela Teresa Vasconcelos, de blusa verde, Miss Paraná, Miss
Brasil e semifinalista no Miss Universo 1964, e Vera Lúcia Couto
Santos, Miss Guanabara, vice-Miss Brasil e terceira colocada no Miss Beleza
Internacional 1964.
OITO
ANOS AO PÉ DAS MISSES
Na foto, Ieda Maria Vargas (Miss Rio Grande do Sul, Miss Brasil e Miss Universo 1963), Indalécio Wanderley e Gervásio Batista.
Gervásio
Batista e Indalécio Vanderlei são dois veteranos repórteres da imprensa brasileira
– o primeiro de MANCHETE, o segundo
de O Cruzeiro. Juntos, já realizaram cêrca de quinze coberturas de concursos
internacionais de beleza, nos Estados Unidos e Europa. De passaporte carimbado
para Miami, eles travaram antes do embarque um diálogo amigo sôbre o que têm feito
e visto, nesses anos. Outro repórter gravou a conversa sem que eles soubessem.
INDALÉCIO
– Para mim as coisas começaram em 1956. Um ano antes, devido ao sucesso de
Marta Rocha, O Cruzeiro enviou um repórter
a Long Beach, acompanhando a cearense Emília Correia Lima. Minha vez chegou com
Maria José Cardoso.
GERVÁSIO – Eu comecei mais
tarde. Mas comecei bem. Foi em 57. Teresinha Morango acabou repetindo Marta e a
viagem valeu a pena. Mas não foi fácil. Você que esteve lá sabe como é duro.
INDALÉCIO
– O primeiro drama foi enfrentar o desprestígio da imprensa brasileira nos Estados
Unidos. Ninguém sabia onde o Brasil ficava. Eu me lembro que na hora de
fotografar as misses nós sempre éramos colocados nos últimos lugares.
GERVÁSIO – Eu sofri o
mesmo drama. E há um outro que você não citou: o da remessa de material para o Brasil.
Naquele tempo a VARIG ainda não tinha linha para Los Angeles. O jeito era
pedir, quase de joelhos, aos passageiros que iam para Nova Iorque, que levassem
nossos filmes. Dali em diante a VARIG resolvia o problema.
INDALÉCIO
– Hoje as coisas são outras. Mas houve uma vez em que tive de mandar os filmes
de helicópteros – senão O Cruzeiro seria
“furado” pela MANCHETE...
GERVÁSIO - Bom, você
sabe como são essas coisas. Amigos, amigos, revistas à parte.
INDALÉCIO
– Não tenta fazer romance, Gervásio. Você
sabe que muitas vezes lutamos juntos, um dando cobertura ao outro. Você já se esqueceu das nossas corridas pelas
estradas dos Estados Unidos, quando infringimos todas as leis locais de
trânsito para chegar a tempo? O que ia no carro de trás ficava de ôlho na polícia
para avisar ao da frente.
GERVÁSIO – Mas valeu a
pena. E você sabe, Indalécio, estou hoje convencido de que a ampla cobertura
que a imprensa norte-anericana dá, atualmente, ao Concurso Miss Universo, se
deve ao trabalho dos jornais e revistas brasileiros. Você se lembra quando, há alguns
anos, os jornalistas dos Estados Unidos se espantavam com o número de
brasileiros, entre repórteres e fotógrafos?
INDALÉCIO
– É exato. Como é exato, também, que os norte-americanos são perfeitos em
matéria de organizar festas. Tanto em Long Beach como em Miami, tudo funciona
dentro do relógio. É uma coisa surpreendente, sobretudo para nós, brasileiros, que temos a mania de improvisar
tudo.
GERVÁSIO – Só uma coisa
me desagrada nesses concursos. É a frieza do público. Não há nos Estados Unidos
aquêle calor humano do Maracanãzinho, com palmas e vais, torcidas organizadas e
gente gritando pela sua candidata.
INDALÉCIO
– Eu também notei isso. O pessoal é um pouco frio. O público reage como se
estivesse numa exposição de gado ou de automóveis.
GERVÁSIO – A única
explicação talvez seja a duração exagerada do concurso. São quatorze dias. E as
solenidades e desfiles cansam um pouco. O pessoal aqui no Rio fica pensando que
nós estamos de beleza, comprando “muambas”, entre gente bonita. Mas a história
é outra. É uma correria para todos os lados, enfrentando dificuldades que vão
desde o grande número de misses ao regulamento do concurso, que dificulta o
trabalho dos fotógrafos.
INDALÉCIO
– Mas você sabe, Gervásio, a verdade é que eu gosto da coisa. A gente luta,
acaba fazendo um bom trabalho e fica satisfeito quando a revista roda e todo o
país admira o nosso trabalho. Pode ser uma vaidade tola. Mas é bom.
GERVÁSIO – Que é bom,
é. Se não fosse, duvido que me pegassem a segunda vez.
INDALÉCIO
– Eu acho, Gervásio, que em todas essas viagens nós só discordamos numa coisa:
o nome da que deveria ganhar. Para mim, a môça mais bonita de todos esses concursos,
até hoje, foi Linda Bement, Miss Universo de alguns anos atrás.
GERVÁSIO – Mas em compensação
ficamos de acôrdo que a mais feia de todas foi a Miss Tailândia 62, uma que
parecia o Garrincha.
INDALÉCIO
– Agora temos a Ângela. Ela, realmente, é muito bonita. Leva, porém, a
desvantagem de ser um tipo muito comum nos Estados Unidos. Não vai ser fácil.
GERVÁSIO – Fácil não
vai ser. Mas Vera Lúcia, a nossa mulata, estará em Long Beach. E com ela a
solução é simples: se não tirar o primeiro, pelo menos dará muito o que falar.
INDALÉCIO
– O jeito é ver esses concursos de perto. Eu sigo daqui a uns dias. Você vai?
GERVÁSIO – Espero chegar
lá primeiro que você...
DETALHES
Houve alguns
lapsos no texto publicado na Manchete. O nome correto da Miss Brasil 1955 é Emília Corrêa Lima (o Corrêa sem a letra i e com acento circunflexo na letra e), enquanto o do repórter da O Cruzeiro é Indalécio Wanderley (O Wanderley com w e y), já focalizado nesta secção por duas vezes. A primeira em 20/04/2008, SESSÃO NOSTALGIA - ELENICE BARRETO E INDALÉCIO
WANDERLEY, A HISTÓRIA DE AMOR DA MISS CLUBE MILITAR 1955 COM O REPÓRTER DA
REVISTA " O CRUZEIRO”, http://passarelacultural.blogspot.com.br/2008/04/sesso-nostalgia-elenice-barreto-e.html . A segunda vez em 27/04/2008, SESSÃO NOSTALGIA - MISSES, AS IMPRESSÕES DAS VIVÊNCIAS
DE INDALÉCIO WANDERLEY, http://passarelacultural.blogspot.com.br/2008/04/sesso-nostalgia-misses-as-impresses-das.html
Gervásio Batista cita no texto a Miss Tailândia 1962, mas a observação
que ele fez deve se referir à Miss de outro país, pois a Tailândia não mandou
representante para o Miss Universo 1962. Gervásio Batista, citado como decano
do fotojornalismo pela ABI, Associação Brasileira de Imprensa, e que hoje
assina o nome como Gervásio Baptista, continua atuante, prestando serviços ao
Supremo Tribunal Federal.
Os 67
anos de carreira do repórter fotográfico Gervásio Baptista foram comemorados no
dia 27/04/2012 por admiradores e amigos de um dos profissionais da imagem mais
respeitados e experiente em atividade na capital federal. Testemunha de fatos
históricos relevantes do século 20, Gervásio recebeu homenagens em um coquetel
e bate-bapo ocorrido na Galeria Olho de Águia, um dos espaços destinados à
preservação da cultura brasileira e brasiliense que funciona em Taguatinga,
cidade-satélite do Distrito Federal. (Foto de Ivaldo Cavancante - Galeria Olho de Águia. Fonte: http://www.olhardireto.com.br,
02/05/2012).
Linda Bement, Miss Estados Unidos e Miss Universo 1960, a preferida de Indalécio Wanderley, fotografada por ele, na capa da revista O Cruzeiro, de 23/07/1960.
No dia 11 deste mês, recebi este e-mail: "Boa tarde, Daslan! Estamos preparando um especial sobre fotojornalismo, que será publicado
na segunda edição da Revista de Jornalismo ESPM, produzida pela Escola Superior
de Propaganda e Marketing em parceria com a Columbia Journalism Review. Neste
especial, produzido por Cacalo Kfouri, estamos citando o trabalho de Indalécio
Wanderley. Vi em seu blog - Passarela Cultural - que tem uma série de matérias
sobre esse grande profissional. Dessa forma, gostaria de solicitar uma foto
dele (estamos publicando a foto de todos os fotógrafos citados na matéria) e
outra de uma miss fotografada por ele para ilustrar essa reportagem. Anexo duas
imagens que podem servir de referência. Obs. na sua resposta, por favor, mande seu endereço para que possamos
enviar um exemplar da revista com essa reportagem especial. Estamos fechando a revista amanhã. Aguardo um retorno o mais breve
possível. Um abraço, Anna Gabriela
Araujo - Revista da ESPM."
Eis a minha resposta imediata: "Anna
Gabriela, boa noite.
É uma satisfação colaborar com esse seu trabalho tão significativo.
Nos anexos, duas fotos.
Uma mostra INDALÉCIO WANDERLEY em primeiro plano, tendo
ao fundo pequenas imagens dele em sua atividade jornalística, postada na O
CRUZEIRO, de 05/05/1956.
A outra, feita pelo grande Indalécio, mostra ANA MARIA
COSTA CALDAS, Miss Pernambuco 1964, em duas poses, publicada na O CRUZEIRO, de
08/08/1964. Espero que atendam o seu interesse. O material faz parte do meu acervo sobre Misses e assuntos dos anos
1950-1960-1970, composto de dezenas de revistas O CRUZEIRO, MANCHETE ,
FATOS & FOTOS, MUNDO ILUSTRADO e outras. Abaixo, meu endereço completo e telefones para contato. Um abraço. DASLAN MELO LIMA"
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Quando estou revendo as
matérias sobre misses em O CRUZEIRO e MANCHETE, fico imaginando como era difícil
o trabalho do pessoal, num tempo onde
não havia câmaras fotográficas digitais, celulares, computadores, internet... Sei que nem tudo era glamour na vida dos jornalistas e fotógrafos, mas quem me dera
entrar no túnel do tempo e ao lado de Gervásio Batista, digo, Gervásio Baptista, e Indalécio Vanderley fotografar
algumas das mais belas mulheres do mundo nas passarelas dos anos 1950 e 1960.
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