Por Daslan Melo Lima
No dia 04 de maio de 2008, a Sessão Nostalgia rendeu tributo àquela que foi a primeira Miss Brasília eleita para representar o hoje
Distrito Federal no concurso Miss Brasil 1959, Martha Garcia. Finalizei o texto dizendo o seguinte: “Caso o pessoal da coordenação do concurso
Miss Brasília esteja lendo esta Sessão Nostalgia, suplico que localizem Marta
Garcia para receber as devidas homenagens em 2009, ano do cinquentenário do concurso.
”
Faz dois dias que, pesquisando na Internet, cheguei ao site colunas.revistaepoca.globo.com , onde encontrei uma matéria escrita em 11/11/2009, por Valéria Martins, filha única da Miss Brasil 1959 com o jornalista Justino Martins (1917-1983). Escritora e jornalista, nascida no Rio de Janeiro em 1966, separada, Valéria é mãe de dois filhos, Clarissa (21 anos) e
Gabriel (18 anos). Como autora, publicou Encontros com Deus (Mauad Editora,
1997), Mr. Page e os sonhos (Mojo Books, 2009) e A Pausa do Tempo (Editora Jaguatirica Digital, 2013). Também é editora do blog A pausa do tempo, www.pausadotempo.blogspot.com .
Abaixo, na íntegra, a matéria de Valéria Martins ilustrada com imagens digitalizadas das revistas O Cruzeiro e Manchete.
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A miss da minha vida
Por Valéria Martins
Minha mãe é uma mulher linda. Mesmo deitada na cama onde passa dias e
noites há quase dois anos. Mesmo com as pernas atrofiadas e os pés em ponta de
bailarina, deformados pela falta de uso e pela recusa em fazer a fisioterapia.
Mesmo com o corpo cavado por lesões que já tiveram o tamanho de um continente,
e cuja cicatrização lenta exige cuidados e atenção constantes.
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Mas o rosto é o mesmo. As maçãs salientes e coradas. O nariz arrebitado
– com um dedo do Pitanguy, é verdade. Lábios sensuais e rosados. Dentes
perfeitos. E os enormes, penetrantes e vivos olhos verdes. Mesmo nos piores
momentos esses olhos mantiveram sua energia e magnetismo, e por isso eu
desconfiava que ela sobreviveria – fênix que é.
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De onde surgiram todos esses problemas, vocês devem estar se
perguntando. Qual o motivo?
Os médicos não sabem responder. Nunca souberam. Minha mãe é um belo
enigma. Não é louca, embora muitos a tenham tachado como tal. Chegou a ter sua
saúde mental avaliada por uma junta médica organizada pelo próprio pai,
psiquiatra, então diretor do Instituto Philippe Pinel. O laudo apontou padrões
dentro da normalidade, mas aí é que está: normal ela nunca foi. Levei uma vida
inteira para compreender e aceitar isso. Talvez por sermos duas filhas únicas, e
nos piores momentos de nossa atribulada trajetória, eu só tivesse ela para
contar de verdade.
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O fato é que aprendi sozinha a cuidar, proteger e defender minha mãe
com unhas e dentes. Uma das falas mais terríveis que ouvi em toda a minha vida
foi da psicanalista: “Sua mãe teve você para cuidar dela”. É provável que seja
verdade, mas quem vai dizer como poderia ser diferente, como eu poderia não
assumir esse papel?
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Minha mãe queria ser atriz de Hollywood, tinha até o nome artístico
escolhido: Martha Stewart. Cresci rodeada de fotos e posters de astros e
estrelas: Tyrone Power, Susan Hayward, Gregory Peck, Steve McQueen. Quem sabe,
se tivesse dado vazão a sua energia através dessa profissão, teria sido mais
feliz.
Não foi possível realizar esse sonho, mas houve pelo menos um grande
momento: aos 20 anos venceu o 1º concurso de Miss da nova capital federal, em
1959, e alcançou a glória. Prêmios, reportagens, fotos nos jornais e uma viagem
à Europa para divulgar o café brasileiro, compromisso que cumpriu acompanhada
da minha avó.
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Também cresci admirando o imenso álbum de couro verde escuro, recheado
de fotos e recortes de jornais da época, onde se lê em dourado na capa: Martha
Garcia, 1ª Miss Brasília.
Em seguida, veio o casamento com meu pai, um intelectual
existencialista e mulherengo. A união que durou 7 anos desestabilizou ainda
mais a frágil estrutura psicológica e emocional da minha mãe. Daí em diante –
justamente quando eu entro na história -, a coisa só degringolou.
É claro que minha vida foi afetada por tudo isso, e ainda é. Mas graças
a muita terapia e trabalho interior, consigo compreender o quanto minha mãe
contribuiu para a minha formação como ser humano. Ela me ensinou o amor
incondicional e o significado de uma palavra sobre a qual poucos têm a
oportunidade de refletir: misericórdia.
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A lição mais recente que aprendi com ela – valiosíssima, por sinal –
foi soltá-la, deixar de ser sua cuidadora e protetora. No momento em que
consegui fazer isso, ela ressurgiu do reino dos mortos e melhorou, está vivinha
e lúcida da silva. Ninguém entendeu – muito menos os médicos – essa súbita
melhora após o quadro de septicemia, desnutrição e depressão profunda que a
manteve internada durante dois meses este ano, após quinze dias no CTI.
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Hoje ela está bem o suficiente para alegrar-se e orgulhar-se de se ver
em revista especial sobre os 50 anos de Brasília. Ela foi Miss Brasília em
1959. No domingo passado, era um entra-e-sai no quarto onde mora, num hotel
para idosos em Botafogo. Recebia elogios e cumprimentos. Martha, radiante,
sorria de orelha a orelha.
Minha mãe é uma mulher linda.
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Parabenizo Valéria
Martins pelo texto primoroso, ao mesmo tempo em que agradeço pela oportunidade que
deu ao universo Miss para saber por onde anda a eterna Miss Brasília 1959. A propósito, na minha crônica de 04/05/2008, dedicada à Martha Garcia, escrevi Martha sem th,
como consta em várias publicações da época. Ao ver seu nome com th no
texto de Valéria, adotei essa forma.
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Abaixo, texto extraído de uma reportagem
sobre o Brasília Palace Hotel, em 21/04/2015,
No quarto onde vive, em um
residencial para idosos no Rio de Janeiro, Martha Garcia guarda um álbum de
capa de couro verde, com seu nome escrito em dourado. Ali estão os recortes do
seu tempo de glória. Na estante, uma foto com Juscelino Kubitschek. Na memória,
um dos momentos mais importantes da sua vida: o dia em que foi coroada a
primeira Miss Brasília, em 1959, em cerimônia no Brasília Palace Hotel.
Moças de todo o Brasil vieram
participar do concurso. Eram 20 candidatas, mas a carioca de cabelos pretos,
pele branca e olhos verdes amarelados chamou atenção dos jurados e recebeu
elogios até de JK. A manchete do jornal na época dizia: “Brasília tem miss de
olhos cor do mar”. "Não entrei no concurso para ganhar, era uma
brincadeira, queríamos nos divertir. Quando dei por mim, estava lá no palco,
com centenas de pessoas me aplaudindo", lembra Martha, aos 76 anos e,
apesar de acamada por conta de uma artrose, está cheia de lembranças dos tempos
que viveu,
A premiação foi uma geladeira,
uma casa e um terreno em Brasília. Vendeu tudo. “Fui escondida. Meu pai ficou
furioso”, conta. Martha tornou-se celebridade. Ganhou um contrato de seis meses
para divulgar o Café Brasileiro nos países nórdicos e foi garota-propaganda do
Leite de Rosas. Casou-se com o jornalista da Manchete Justino Martins, 24 anos
mais velho, com quem teve uma filha, Valéria Martins. “Cresci admirando o álbum
e ouvindo as histórias do concurso. Ela morre de orgulho e faz questão até hoje
de ser chamada de ‘primeira miss Brasília’”, conta Valéria. As fotos e recortes
de jornais e revistas são uma relíquia para Martha e para a Capital. “Foi um
grande momento, talvez a coisa mais importante que já fiz, além de ser mãe”,
finaliza a primeira miss Brasília.
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A Sessão Nostalgia de 04/05/2008, Marta, a primeira Miss Brasília, poderá ser lida clicando neste link
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