Daslan Melo Lima
Enquanto
Roberto Macêdo nos conduzia em seu carro, da praia de Patamares para o centro de
Salvador, na tarde chuvosa do dia 10, após termos almoçado com Martha Vasconcellos, Miss Bahia, Miss Brasil e Miss Universo 1968, o foco das nossas conversas era Misses. No veículo, eu, Fernando Machado (jornalista pernambucano, do Recife); Genaro Oliveira Pires (educador baiano, de
Paulo Afonso) e Oscar Bastos Pereira
(profissional da área de saúde, de Goiânia, GO), convidados para o lançamento da biografia de Martha, obra escrita pelo Roberto e lançada na noite anterior no Palácio da Associação Comercial da Bahia.
“ A Miss Pernambuco Dione Oliveira foi injustiçada no Miss
Brasil 1959”, afirmou Fernando. ***** “O que
você achou de Larissa Costa, Miss Brasil 2009?”, perguntou Oscar ao Roberto,
que não hesitou em responder: “Eu fui assistir ao Miss Universo 2009 e presenciei
pessoas aplaudindo e pedindo autógrafos a Larissa. Muito linda!" ***** Garantiu Oscar: “Eu vou estar com Ieda Maria
Vargas em Gramado, na próxima semana. Ela está se recuperando de uma queda
onde fraturou um braço”. ***** De repente,
perguntei ao Roberto: “Por onde anda Gessy Gesse?” Bem humorado, Fernando interferiu: “Você quis dizer Jesse James, o cowboy americano?” Risos. Genaro contou que viu um
dia Gessy Gesse no aeroporto, antes de embarcar num voo para Brasília, e que não se aproximou porque não quis interromper a conversa dela com o escritor Ariano Suassuna (1927-2014). ***** "Isso vai terminar numa Sessão Nostalgia", prometi ao pessoal.
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Se pesquisarmos no Google o nome Gessy
Gesse, vamos encontrar que se trata de uma atriz, produtora cultural, ex-esposa do poeta Vinicius de Moraes (1913-1980). Não há nada fazendo alusão sobre seu
passado de Miss, mas Gessy Gesse, nome artístico de Gessy Rozenda de Deus, foi terceira
colocada no Miss Bahia 1956, ano em que o título ficou com Sônia Santiago
Mamede, não confundir com a atriz, comediante e vedete Sônia Mamede (1936-1990).
Gessy Gesse nasceu em Salvador, no
bairro de Santo Antonio Além do Carmo, em 16/01/1939, aparada no colo de sua
avó materna, que era índia Tupinambá. O pai era um homem muito
rígido. Gessy recebeu muitas punições por suas inúmeras travessuras, porém
nunca chorou na frente dele. Compreendeu a dureza de seu pai como resultado da própria
vida dele. Filho de uma índia Tupinambá que com duas irmãs tinham sido levadas
para cortar cana em Santo Amaro da Purificação e foi estuprada aos 13 anos pelo
"Senhor do Engenho". Faleceu de parto, no canavial. Suas duas irmãs
(tias de seu pai) fugiram com a criança e vieram parar em Salvador. Com a vida
dura que teve seu pai se tornou a pessoa rigorosa e intransigente que a educou
com firmeza. Prometeu, quando crescesse, se permitir todo o tipo de liberdade.
O amor de sua avó por um índio chamado
Gesse, com quem nunca teve oportunidade de se relacionar, gerou o pedido de que
a criança que estava por nascer tivesse esse nome. Quando seu pai a foi
registrar, o escrivão grafou seu nome como Gessy. Era uma marca de
sabonete e produtos de higiene famoso na época. Ela revela o quanto odiou esse
nome, até que, quando iniciou sua vida artística, adotou o nome de Gessy Gesse
que lhe pareceu mais sonoro e apropriado ao pedido original. Quando pequena, sofria bullying ao ser
comparada, pelos seus colegas, ao sabonete Gessy.
Aos 16 anos casou com seu primeiro
marido, que conheceu em um pronto socorro em um dia de carnaval por ter
"cortado o pé" na avenida. Como passaram da hora de
voltar para casa, ela e as irmãs sabiam que a surra era certa. Para se livrar
da punição, provocou o corte no pé para que com a justificativa do atendimento
no pronto socorro seu pai abrandasse o coração. De fato ela não apanhou, mas as
irmãs foram punidas. Casou-se para se livrar das surras do pai e
ter uma vida mais independente. No dia do casamento seu pai advertiu o marido:
"Você vai levar uma Jararaca". Deste casamento, teve dois filhos.
Resolveu ir conhecer o Rio de
Janeiro onde dois amigos baianos moravam e seguidas vezes a convidavam para
visitá-los. Era Maria Bethânia e Caetano Veloso. Bethânia a convidou para uma
festa de homenagem à Vinicius de Morais. Gessy disse que não queria ir por que "festa de intelectual é coisa chata". Cedeu ao convite, resolvida a
ficar por pouco tempo, mas ao ser percebida por Vinicius, ele fez de tudo para conhecê-la, iniciou-se um troca-troca de
olhares, com direito a sinalizações com o copo de whisky na mão e bilhetinhos.
Gessy e Vinicius casaram no Uruguai em 1970 e três anos depois na Bahia, no ritual cigano, com direito a corte no pulso (com muito cuidado pois Vinicius era diabético), troca de
sangue e muitas margaridas brancas, a flor que ambos gostavam. Os
padrinhos de Vinicius foram Jorge Amado (1912-2001) e Zélia Gattai (1916-2008). Os de Gessy
foram Alta Rosa e o mestre Calá.
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Gessy Gesse trabalhou nos filmes Sol sobre a lama
(1963), de Alex Viany (1918-1992); Senhor dos
Navegantes (1963), de Aloiso T. de Carvalho; O Santo Módico (1964), de Robert
Mazoyer (1929-1999); e Caveira, my friend
(1970) , de Álvaro Guimarães.
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Vinicius de Moraes compôs para ela as
músicas Morena Flor, Samba de Gesse e Regra Três, além do Soneto de Luz e
Treva.
MORENA FLOR
Morena flor me dê um cheirinho / Cheinho de amor / Depois também me dê
todo esse denguinho / Que só você tem /// Sem você o que ia ser de mim / Eu ia
ficar tão triste / Tudo ia ser tão ruim / Acontece que a Bahia fez você todinha
assim / Só para mim. ***** https://www.youtube.com/watch?v=pDTHCur2Euc
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SAMBA DE GESSE
Até parece / Que eu conhecia sempre você / Que me
aparece / Quando eu não via jeito de ser /// A gente esquece / Que a gente muda de
bem-querer / Ah, se eu pudesse / Tinha esperado só por você /// Quando amanhece / Eu ao meu lado vejo você /
Eu digo em prece / Que a vida é linda como você /// Eu que era louco / Eu que era triste / Deixei
de ser / Até parece / Que só existe eu e você. ***** https://www.youtube.com/watch?v=k3emS9W5RDY
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REGRA TRÊS
Tantas você fez que ela cansou / Porque você, rapaz / Abusou da
regra três / Onde menos vale mais /// Da primeira vez ela chorou / Mas resolveu
ficar / É que os momentos felizes / Tinham deixado raízes no seu penar / Depois
perdeu a esperança / Porque o perdão também cansa de perdoar /// Tem sempre o
dia em que a casa cai / Pois vai curtir seu deserto, vai / Mas deixe a lâmpada
acesa / Se algum dia a tristeza quiser entrar / E uma bebida por perto / Porque
você pode estar certo que vai chorar.***** https://www.youtube.com/watch?v=dVO6ZOb45oA
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SONETO DE LUZ E TREVA
– Itapuã. Para
a minha Gesse, e para que ilumine sempre a minha noite -
Ela tem uma graça de pantera
No
andar bem-comportado de menina.
No molejo em que vem sempre se espera
Que
de repente ela lhe salte em cima.
Mas súbito renega a bela e a fera
Prende o cabelo, vai para a cozinha
E de um ovo estrelado na panela
Ela
com clara e gema faz o dia.
Ela é de capricórnio, eu sou de
libra
Eu sou o Oxalá velho, ela é Inhansã
A mim me enerva o ardor com que
ela vibra
E que a motiva desde de manhã.
- Como é que
pode, digo-me com espanto
A luz e a treva se quererem tanto...
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Dinâmica, de bem com a vida, a atriz vem se dedicando nos últimos anos à produções e coordenação de projetos sociais e culturais.
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Não sei o lugar que as lembranças do Miss Bahia 1956 ocupam em seu coração, Gessy Gesse, mas de uma coisa tenho certeza, de que as recordações de sua vida ao lado de Vinícus de Moraes estão em primeiro lugar, tanto que você escreveu um livro sobre o assunto. Tanto que o título desta crônica não poderia ser outro, Gessy Gesse, a morena flor de Vinícius de Moraes.
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Saiba mais clicando nestes links:
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Entrevista de Gessy Gesse no programa Perfil & Opinião, TVE, novembro de 2013.
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