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sábado, 14 de dezembro de 2013

SESSÃO NOSTALGIA - Jérson, o craque da alta costura, no tempo de ouro das misses

Daslan Melo Lima

PRÓLOGO

    

      Jérson Paiva Karl, ou simplesmente Jérson, assim mesmo, com a letra “j”, é  um ícone da alta-costura brasileira. Faz tempo que não sei notícias suas, por isso resolvi resgatar um pouco da sua história compartilhando uma reportagem publicada na revista Desfile, de julho de 1996. Transcrevi o texto na íntegra, inclusive com alguns lapsos que encontrei na matéria, tais como  “o cedro e a coroa”, quando o correto seria “o cetro e a coroa”, e  quando a baiana Martha Vasconcellos, Miss Universo 1968,  é citada como sendo a nossa primeira Miss Universo, embora tenha sido a segunda (a gaúcha Ieda Maria Vargas foi Miss Universo em 1963), ou a terceira, se considerarmos a vitória da também gaúcha Iolanda Pereira, em 1930, quando o  certame  ainda não desfrutava de oficialidade.


JÉRSON O CRAQUE DA ALTA COSTURA
(Reportagem de Gilda Chataignier, revista Desfile, julho de 1996)

      Elas – as freguesas, como gosta de chamá-las – não têm o menor problema: entram com seus belos carros importados e reluzentes na garagem que fica colada a uma casa de shows eróticos. A cena se repete ao longo do dia e as protagonistas nada têm a ver com a personagem de Catherine Deneuve em Belle de Jour. São senhoras de todas as idades e também jovens, da alta sociedade pré-emergente, que sabem das coisas e vão a esse cantinho de Copacabana à procura dos cortes magistrais desse mestre da alta-costura.
      Jérson, com j, um dos últimos representantes de um tipo de trabalho que está acabando, domina o meio de campo, arma jogadas impossíveis, alinhava contra-ataques em direção aos adversários, costura com seu time um estilo imortal, internacional. Fluminense (nasceu em Niterói), ele sabe todos os truques do jogo da 
moda, da ponta-esquerda à direita, sempre driblando e criando situações nas quais o cérebro se junta com o coração-emoção, chegando ao gol. Coisas de craque. Dono de uma memória prodigiosa, com exatos 67 anos, Jérson é uma antologia viva dos costumes, nomes e casos que misturam moda & curiosidades do Rio de Janeiro.
ÁLBUM DE FAMÍLIA - No idos dos anos 30, o menino, neto de alemão, Jérson Paiva Karl já se sentia fascinado com os movimentos de costura e moda que aconteciam na família. Diz mesmo que sua vocação surgiu no útero, numa simbiose que estava escrita nas estrelas. “Mamãe era viúva, com dois filhos pequenos e dona de uma habilidade manual fora do comum. Se eu tivesse 50 por cento do talento dela, seria a mais feliz das criaturas, mas acho que herdei só 20 por cento. Como ela costurava e como tudo caía bem nela! Nessa história toda, fui bem-criado pela minha avó e meu avô, dormindo entre os dois. Foi vovó que despertou em mim o outro lado da moda. A parte mais fantasiosa, na qual o imaginário infantil viajava, principalmente através da história da França, do Brasil (a Guerra do Paraguai tinha um aspecto especial, pois meu tetravô havia sido um dos heróis e suas fotos cobertas de medalhas me davam orgulho e me faziam pensar em criar trajes maravilhosos). Ficava mergulhado com vovó, lendo muito, e o livro Memórias de um Médico, foi decisivo na minha formação.”
      Pega recortes de jornais, fotos, passa da infância para alguns anos atrás, como um poeta cuja sedução-inspiração fossem alfinetes, frufrus, rendas e fitas. Seus olhos brilham, os cabelos brancos bem-tratados, alvíssimos, fazem um movimento pendular. Fala de doces e fica com jeito de menino guloso: “Se pudesse, comeria 10 quindins de uma vez, toneladas de brigadeiros, tortas sem fim. Mas, infelizmente, sou diabético. Por outro lado, como não posso cometer loucuras gastronômicas, consigo equilibrar o corpo.”
      Elegante, parece mais moço do que é (lembra bastante Cary  Grant) e, mutante, fala do seu lado espiritual. “Considero uma dádiva trabalhar até morrer, pois acho que, na vida, só sei mesmo trabalhar.”

MODA & MODOS - Empolgado com tanta gente e tanta coisa, Jérson se esquece até de falar de moda. Enquanto a gente conversa no quarto clássico, em que a dona é sua contra-mestra, uma portuguesa de mãos hábeis, capaz de entender com o olhar os desejos do mestre, há um entre-e-sai febril de clientes na sala. É que se aproxima uma época de festas oficiais e todas querem brilhar junto à corte do presidente e aparecer nas colunas sociais. “Mesmo no fim do século, as mulheres ainda conservam aquela coisa meio de criança de só mostrar o vestido novo na hora da festa. Procuro me esmerar, para que elas se sintam as donas do baile, as rainhas da noite”.
NO TEMPO DAS MISSES - A moda volta a aparecer, como pano-de-fundo, no meio de outras lembranças, sempre de modo indireto. Discreto, Jérson parece que não liga para tantos troféus conquistados, tantas pequenas obras de arte feitas de tecido, arte e emoção. “Adorava o tempo de ouro das misses. Nunca se fez tanta roupa, 

nunca se gastou tanto pailleté, caudas principescas e quilômetros de tule! Eram muitos os títulos, de Miss Botafogo a Miss Brasil, passando por Miss Bangu, o máximo para as garotas de classe alta, uma concessão feita pelas famílias aristocratas. Como foi lindo o vestido de Baby Vignoli... E nossa única Miss Universo, Marta Vasconcellos? Zacharias do Rego Monteiro, que fez parte do júri que a elegeu, dizia que o modelo que criei para ela tinha sido o mais lindo que jamais vira. Um tremendo elogio para quem havia passado pela Casa Canadá e a Maison Jacques Heim. Era de tule azul-hortênsia claro, com listras de miçangas bordadas. Aliás, Marta foi o corpo feminino mais perfeito sobre o qual criei. E tinha uma carinha de namoradinha, daquelas que se tem vontade de colocar no colo. Os americanos, que adoram essas coisas, lhe deram o cedro e a coroa.”
      Outra Martha, essa com th e Rocha de sobrenome, também frequentou o ateliê de Jérson. Segundo ele, muito bonita foi uma baiana branca que fez para nossa eterna miss num baile do Teatro Municipal:  “Era um deslumbramento, com a cabeça bem-montada com plumas, fitas, flores e frutas, tudo refletindo branco e ouro.  Martha ficava dançando sem sair do lugar, cheia de graça. Não se aventurava mais, porque na verdade não sabia sambar!”
      Outra história de miss, desta vez a loura e meiga Maria Rachel de Carvalho, na época de Andrade, Miss Brasil. Ele conta que Evandro Castro Lima não aprontou o traje típico dela para o desfile e que precisou acelerar na máquina para não deixar Maria Rachel na mão: “Na véspera, peguei uma camisa minha, cortei as mangas na altura dos cotovelos, coloquei bordado inglês engomado nelas, dei um nó deixando a barriga de fora, fiz uma calça apressada com pano de colchão, pintei de dourado um chapéu de Miró (homônimo do pintor, grande chapeleiro que movimentava o Rio de Janeiro), assim como uma gaiola, na qual coloquei um pássaro empalhado e flores. Que figura é essa? A vendedora de flores de Debret! Um sucesso que lhe rendeu o título, além do vestido de baile que considero meu melhor trabalho de toda a vida. Parece que estou vendo: de tule rosa-claro, quase branco, como um fim de tarde, com golinha em point d’ésprit, bordado com doze mil brilhantinhos. Ensinei-a a escorregar pela passarela, andando como uma gata, e não com aquele passo de ganso de soldado soviético. Na hora de descer as escadas da passarela e do palco, um gesto inesperado, inusitado: uma parada teatral, levantando, em seguida, um pouquinho da saia. Como as damas antigas. O resultado? Sucesso e título!”
      O ateliê vai escurecendo e as freguesas estão ainda no espelho. Ao lado, oito profissionais dão retoques finais. Elas são cúmplices desse artista da moda libriano, apaixonado por Picasso, antiguidades, pratas e opalinas, grafologia, Victor Hugo, doces e histórias ácidas. Como aquela da noiva que não queria demoiselles d’honneur para não dividir o brilho. Jérson escalou uma fiel costureira para arrumar-lhe a cauda do vestido quando saísse do carro. Só que a moça nunca tinha feito aquilo. A acompanhante oficial dessa tarefa estava doente. “Imagine que, no dia seguinte, Dona Sara Kubitschek me telefonou, achando estranho que aquela moça simples, de saia e blusa surradas, tivesse acompanhado a noiva até o altar, como se fosse uma bizarra dama de honra...”

QUANDO AS MISSES VESTIAM JÉRSON

Maria Raquel Helena de Andrade, Miss Guanabara, Miss Brasil e semifinalista no Miss Universo 1965.
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       Martha Vasconcellos, Miss Bahia, Miss Brasil, Miss Universo 1968.


EPÍLOGO

       Por onde anda Jérson? Há  poucas referências a ele quando se pesquisa no Google. Encontrei uma no site http://www.avozdaserra.com.br/colunas/9/9938/beth-do-licinio-26-03-2013 :

Muito simpática, Maria Estela Kubitschek Lopes, filha do ex-presidente JK, esteve em Nova Friburgo para receber a Comenda de Embaixadora do sesquicentenário da Euterpe.  Em conversa informal, lembrou a amizade entre sua família e os irmãos Paiva Karl, Gerson e o saudoso Wellington. Com carinho lembrou de ocasiões em que estiveram juntos. O friburguense Gerson Paiva foi estilista de sucesso e segundo Maria Estela “ele esculpia as roupas no corpo das clientes e era disputado pela alta sociedade brasileira”. 


      Se você tiver alguma informação, deixe um comentário ou faça contato através do e-mail daslan@erra.com.br. Antecipadamente, agradeço sua atenção, em nome  de um tempo mágico que se foi, o tempo de ouro das misses. 

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7 comentários:

Anônimo disse...

Sou fascinado pela época dos anos 60 e de tudo que vejo em revistas antigas, quando se refere a vestidos de misses, considero os das misses Brasil 65 e 68 os mais belos. Quanta simplicidade e ao mesmo tempo quanto luxo e criatividade!

É a primeira vez que leio na net a história desse Jérson!

Parabéns!

C. Rocha de Floripa

Edson Oliveira - de Minas disse...

Não deu para ler a matéria toda agora, mas vi as fotos. O que mais me encanta é que naquele tempo os trajes típicos mostravam a realidade de um povo. Hoje é um desfile carnavalesco. Os vestidos de noite mudaram, seguindo o tempo, mas hoje vemos cada vestido, que é preciso a Miss ter muita coragem para usar. Falta bom senso em vários estilistas.

Anônimo disse...

Amigo Daslan, essa matéria é de um valor histórico inestimável. Essa imagem de Jerson, o estilista dos anos 60, com cores e com a história das Misses do Brasil, em particular de Martha Vasconcellos e Martha Rocha é sem par. Parabéns.

ROMEU.

Unknown disse...

Jérson foi o estilista que escolhi para confeccionar meu vestido de noiva em 1971. Deslumbrante, corte impecável, foi um grande sucesso e até hoje as pessoas se recordam desse luxo de vestido. E, o estilista, apesar de sua fama, era atenciosíssimo e procurava adivinhar os sonhos das noivas que o procuravam. Meu eterno agradecimento a Jérson.

Unknown disse...

Gostaria muito de saber notícias do Jerson. O conheci nos anos 78/80 depois perdi o contato.

Anônimo disse...

Minha mãe era sua prima , lembro do guarda-roupa cheio de vestidos maravilhosos, sempre cobiçados pelas amigas…. O vestido de noiva foi perfeito de muita elegância e beleza.
Outro inesquecível foi o que ela usou na formatura do meu pai. Tia Glorinha , sua mãe, foi uma mulher batalhadora, dotada de mãos mágicas para costura.
Lembro também com carinho do seu irmão Gilbertinho
Admiração e amor por todos

Larissa disse...

Ele era meu tio avô! Uma pena ter partido quando eu era ainda muito nova, hoje sigo o caminho da moda também :)