Daslan Melo Lima
Era maio de 1957. Em cinco páginas, a
revista O Cruzeiro (Ano XXIX, nº 31, Rio de Janeiro, 18/05/1957) com texto de
Neil Ferreira e fotos de George Torok, dava destaque ao concurso de beleza Pérola Negra,
realizado nos salões do Teatro Municipal de Campinas.
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Pérola Negra
O vice-governador de São Paulo, General Porfírio da Paz,
coloca a faixa simbólica em Marcília Gama, a “Pérola Negra de Campinas".
Pela primeira vez no
Brasil, a sociedade negra de uma cidade realizou um baile de gala e escolheu a
sua rainha no ambiente suntuoso de um Teatro Municipal, congraçando-se numa
festa que alcançou o mais amplo sucesso. Foi em Campinas (no Estado de São
Paulo) que o jornal Diário do Povo resolveu concretizar um dos velhos sonhos da
numerosa família negra, organizando e levando a efeito o concurso que escolheria
a “Pérola Negra de Campinas”. A vencedora seria a jovem de cor que reunisse
maiores predicados em elegância, graça, beleza, cultura e simpatia, e seria apontada
num baile cuja renda reverteria em benefício do Posto de Puericultura Beatriz Helena
e Corporação Musical dos Homens de Cor. Bastou que a ideia fosse anunciada para
receber o integral apoio da Associação Cultural dos Negros do Estado de São
Paulo e, imediatamente, vinte jovens foram inscritas. Escolheu-se, então, um
júri que, durante um coquetel no Lo Schiavo (um dos lugares mais finos da
cidade), levando em conta a formação moral e o grau intelectual, deveria
selecionar nove entre as vinte concorrentes. Apontadas as nove semifinalistas,
procedeu-se à eleição pública que apontaria as cinco finalistas. Durante três
meses enorme movimento marcou o concurso e o baile final era esperado com
grande expectativa.
Uma semana antes do baile,
esgotaram-se as lantejoulas e os enfeites, nas lojas de Campinas. **** Elas
chegavam elegantes e “coquettes”. Eles abriam alas. ***** Pérola Negra em vestido branco. Marcília
faz jus ao título.
À medida que os resultados iam aparecendo,
delineando as posições, verdadeiras torcidas das candidatas procuravam angariar
votos para as suas preferidas. Quando ia se aproximando a data do baile, foram
confeccionados convites que se esgotaram em tempo quase recorde, prevendo
grande afluência de púbico para a grande noite. Foi aí que surgiu o problema.
Onde realizar o bale? A sociedade negra de Campinas não possui salão de festas
e, dada a grande procura de ingressos, somente um local bastante amplo
serviria. O Tênis Clube não poderia ceder o seu local porque já havia marcado o
baile da “Glamour Girl”. A única solução seria o velho e austero Teatro
Municipal. Mas esse teatro já possuía uma tradição bastante antiga. Ali havia
somente um baile por ano. Era a apresentação das debutantes da Sociedade Hípica,
nada mais nada menos do que a fina flor da sociedade da terra.
A sociedade apelou para o prefeito e este
cedeu, excepcionalmente, o Teatro. A sociedade rejubilou-se com a concessão:
faria o seu baile e fecharia a época social do vetusto casarão da terra de
Carlos Gomes. O concurso tomou novo impulso e pessoas de São Paulo, Rio,
Americana, São Carlos, Franca e representantes da sociedade de cor de todas as
cidades vizinhas reservaram seus ingressos, prepararam os vestidos e “smokings”
para a grande noite.
Ela chegou cedo. Olhou para tudo, fez um ar de aprovação, e iniciou-se a festa. |
Desde as nove horas da noite começou a
afluir gente à porta do Teatro, aguardando o momento em que entrariam as
candidatas. E aqueles lustres, que há cinquenta anos iluminam o que há de mais
fino na sociedade campineira, não foram decepcionados. Iluminaram também desta vez “smokings” do mais puro corte inglês, modelos
de Dior, Fath e Givenchy e “visons” legítimos. As candidatas chegaram, o júri
presidido pelo vice-governador Porfírio da Paz e composto por dez elementos
(com representantes da Associação Cultural dos Negros do Estado de São Paulo e
da Difusão Cultural da Prefeitura) tomou assento à mesa enquanto a a orquestra gemia
um “blue”. O salão repleto, com os assistentes aplaudindo as concorrentes.
Após
longos debates, o júri chegou a uma definição. Apontou a Srta. Marcília Gama a “Peróla
Negra de Campinas”. A faixa simbólica e a clássica valsa ficaram a cargo do vice-governador.
O sucesso da festa animou os seus organizadores, que irão agora construir a
sede da sociedade negra e inaugurá-la com o baile das Debutantes, semelhantes
ao que se realiza anualmente no Hotel dos Presidentes dos Estados Unidos, e único
no gênero na América do Sul.
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Uma pena que a revista não mostre imagens
de todas as concorrentes, por isso vamos concluir que a legenda que O Cruzeiro deu a esta foto tinha razão: Pérola
Negra em vestido branco. Marcília faz jus ao título.
Depois
daquele maio de 1957, Vera Lúcia Couto Santos, Miss Guanabara,
vice-Miss Brasil, conquistou o terceiro lugar no Miss Beleza Internacional 1964; Deise Nunes, Miss Rio Grande
do Sul, Miss Brasil, foi semifinalista no Miss Universo 1986; e Janelle Penny Commissiong,
Miss Trinidad-Tobago, foi eleita Miss Universo 1977. Eu poderia acrescentar aqui que essas misses tinham algo em comum com Marcília Gama, "Pérola Negra de Campinas 1957", eram de cor, ou
mulatas, ou negras, ou afrodescendentes. Ora, todos nós somos integrantes da raça humana, com sua diversidade fantástica.
Finalizando,
cito o dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616), neste sábado, 17 de outubro de 2015, onde celebro idade nova, embora todo dia, com
a graça de Deus, seja dia de celebrar a
vida: “Se outro nome tivesse a rosa, deixaria ela de ser perfumada?"
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Um comentário:
Muito honrosa por esta postagem, que marca lugares (outros) onde a mulher negra sempre pôde ocupar. História que pertence à minha família, sendo reverenciada neste outubro de 2015. Continua a ser um horizonte para a nossa luta cotidiana contra o racismo e contra todas as imbecilidades humanas que destituem a mulher negra dos seus dignos e desejoso lugares de estar no mundo e como queiramos, nós.
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