Daslan Melo Lima
Meu celular tocou às 16h do dia 13 de
dezembro do ano passado. Era o jornalista Renato
Fernandes, paulista residente no Rio de Janeiro, repórter especial da
revista Joyce Pascowitch. Ele ia escrever
uma matéria sobre as misses do Clube
Renascença que mais se destacaram e queria ouvir o que eu sabia sobre o assunto.
Foram quase duas horas ao telefone. Na última
edição da revista, a de fevereiro, com a atriz Taís Araújo na capa, a publicação circulou nas bancas de todo o
País com seis páginas dedicadas às deusas do Renascença. Chamada de capa: “Perólas Negras - Por onde andam as misses do
Clube Renascença, no Rio? “ Título da reportagem: “Mulheres de 400 talheres. ” Abaixo, reprodução integral da matéria.
Boa leitura!
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Mulheres de 400 talheres
Nos anos 1960, 0 Clube Renascença quebrou tabus, preconceitos e paradigmas na sociedade com seu concurso de miss. Alçadas ao estrelato, essas belas mulheres marcaram época e são lembradas até hoje.
Por Renato Fernandes
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Inaugurado em 1951, durante os
anos dourados no Brasil, o Renascença surgiu para os negros da classe média do
Rio de Janeiro como uma opção de esporte e lazer, já que eles eram proibidos de
frequentar os tradicionais clubes da cidade. “Entre os fundadores estavam um
grupo de médicos e de comerciantes negros, que não queriam sofrer discriminação
em outros espaços”, conta o missólogo e historiador Daslan Melo Lima, um dos
maiores estudiosos do tema hoje.
O clube ficava no bairro de Andaraí, na
zona norte, e as mulheres tiveram papel fundamental em seu desenvolvimento.
Eram 19, dos 29 sócios que fundaram o lugar. Foi por essa breve presença feminina
que surgiu o concurso de miss do Rena, nome usado na época, e a competição
colocou suas participantes em total evidência. A olheira, que selecionava e que
preparava as misses, era a cabeleireira Dinah Duarte, dona de um conceituado
salão de beleza no Méier.
Ao desfilarem suas curvas no maiô
Catalina, no Maracanãzinho, para o Miss Guanabara, como se chamava o estado do
Rio de Janeiro, as misses Renascença eram ovacionadas e consagradas. Só dava
elas. Relembre aqui, três de suas maiores beldades.
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Vera Lúcia Couto - Mulata Bossa Nova
Vera Lúcia Couto dos Santos, Miss Renascença, na capa do disco Carnaval Rio (à esq.) e em ensaio para a revista Manchete.
“Mulata Nossa Nova... Caiu no hully gully...
E só dá ela. ” Ela quem? Vera Lúcia Couto dos Santos, musa da marchinha
carnavalesca composta por João Roberto Kelly e que venceu o Miss Guanabara em 1964.
Detalhe, até então, nunca uma negra tinha alcançado esse título. Vera Lúcia
venceu e venceu bonito, mas nada por vontade própria, mas sim por insistência do
Clube Rena que queria porque queria que ela concorresse. Ela recusou por dois
anos os convites e o medo de sofrer preconceito era uma das razões. Só depois
que teve o apoio do pai, aceitou. Não bastasse, Vera Lúcia foi a primeira negra
a concorrer ao Miss Brasil. Não ganhou o concurso, mas ficou em segundo lugar e
ainda representou o país no Miss Beleza Internacional, em Long Beach, nos
Estados Unidos, ficando na terceira colocação.
No dia do concurso do Miss Brasil 1964,
enquanto desfilava, ouviu de uma senhora numa mesa: “Sai daí crioula, seu lugar
é na cozinha! ”. Mas não perdeu a altivez e nem o olhar de ternura. No ano
seguinte, durante as comemorações do quarto centenário do Rio, desfilou deslumbrante
no carro aberto dando tchauzinho para qualquer tipo de preconceito.
Não seguiu a carreira artística e não foi
por falta de convite. Preferiu casar e ser mãe de três filhos. Tornou-se funcionária
da Riotur e hoje mora em Niterói, mas continua virando o pescoço dos
transeuntes quando passa.
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Esmeralda
Barros – Estrela Internacional
Esmeralda Barros na revista Amiga.
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Esmeralda Barros na revista Amiga.
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Esmeralda Barros posando para a revista O Cruzeiro, que a descrevia como:"Na tevê os seus rebolados dão coqueluche em gente grande". No detalhe, na revista Amiga, já como uma estrela internacional.
Esmeralda Barros foi capa da revista O Cruzeiro, em fevereiro de 1966.
No fim da
década de 1960, uma “mulata para quatrocentos talheres”, como era conhecida,
invade os estúdios da Cinecittà, em Roma. Seu nome? Esmeralda Barros, a moça
que perdeu o título de Miss Renascença 1964 para Vera Lúcia Couto. Na época,
houve grande burburinho: todos queriam saber o motivo pelo qual Esmeralda não
tinha levado a coroa. E ele era um só: ela já era conhecida no showbiz
brasileiro, porque havia atuado em shows de Carlos Machado, o que não era
bem-vindo no concurso. “Isso é fato, garotas que sonhavam em ingressar no mundo
artístico fugiam do perfil das que concorriam ao concurso de miss”, conta o
missólogo Daslan Melo Lima. Esmeralda tinha tudo e mais um pouco, mas aura de
virgem e donzela, isso ela não tinha.
Não levou a faixa de Miss Renascença, mas
ganhou um convite para atuar na Itália, depois de aparecer em Operação Paraíso, uma produção italiana
rodada no Rio de Janeiro, em 1965, com o ator Raf Vallone. No filme, a
estonteante Esmeralda aparecia em um comportado biquíni em plena avenida Atlântica.
Fato que rendeu a ela uma capa estreladíssima na revista O Cruzeiro.
Suas curvas atravessaram o mundo e, em
1968, ela já era o primeiro nome do elenco do longa King of Kong Island, dirigido por Robert Mauri. Anos depois, no início
da década de 1979, era disputada para produções de western spaghetti e filmes
de terror, também na Itália.
Nos bastidores teve um tempestuoso
romance com o robusto ator Maurízio Arena, a tal ponto de ganharem juntos a
capa da revista de fofoca Oggi. Uma
suposta tentativa de suicídio por excesso de barbitúricos, pelo gostosão, foi
divulgada na época.
Estrelou os filmes Um Homem Chamado Django, ao lado de Anthony Steffen, e La Colt Era Il Suo Dio, com Jeff Cameron. Atuou com Mark Damon e Rosalba Neri em O Castelo de Drácula e, depois de consagrada, dividiu os créditos com
as superstarlets Barbara Bouchet e Femi Benusse em Finalmente Le Mille e Uma Notte, de 1972. Alcançou assim o seleto
rol das divas eróticas do cinema italiano. “Esmeralda é o oposto de suas personagens
e foi uma grande estrela no cinema. Era cultuada em um tempo diferente de hoje,
nos quais as estrelas são medidas por curtidas em mídias sociais”, diz o
cineasta Daniel Camargo, expert em bangue-bangue do país europeu. Sua opinião relembra
um pouco o que dizia o jornalista brasileiro Ubiratan de Lemos: “Seu corpo é um
best-seller para um bom gosto internacional”.
No dia a dia, Esmeralda era puro charme.
Amava marcas como Gucci e Pucci e só usava bota de cano longo verniz. Gastava a
sola na famosa...
... Via Veneto, em
Roma. Meio Barbarella, meio sambista, arrasava ao chegar no Brasil. Participava
de coletivas, logo no aeroporto. E em seus contratos na Itália, tinha licença
para passar o Carnaval por aqui. Única e absoluta.
Em meados dos anos 1970, depois de outro tumultuado
romance, agora com um mafioso, volta de vez a morar no Brasil. Linda e madura,
é tragada pelas pornochanchadas como O
Bem Dotado - 0 Homem de Itu, com o
ator Nuno Leal Maia. Em 1976, é capa da revista Homem, futura Playboy.
Participa de shows com Abelardo Figueiredo na boate O Beco.
A carreira começa a desandar no início
dos anos 1980, quando atua no filme de baixíssimo orçamento O Castelo das Taras produzido na Boca do
Lixo em São Paulo, sob direção de Arlindo Barreto, o Bozo. No longa, no qual
vem de diva, enxertaram cenas de sexo explícito. Ela aparece em nu frontal e careca.
Outro exemplo é que, em 1985, atua na novela do SBT Uma Esperança no Ar,
aparecendo apenas no final dos créditos do elenco, não sendo mais a grande estrela.
Passa muitos anos de sua vida residindo numa mansão em Itaipava e outros no
prédio dos artistas, no Morro do Vidigal. Muitos pensam que já faleceu, mas
não: vive sob cuidados de um ex-namorado dos tempos do Renascença, o produtor Eugenio
Fernandes. “Ela requer cuidados e já não tem mais as regalias da fama, muito
menos os amigos de então, que sumiram”, entrega Camargo em conversa com a J.P.
Hoje,
de cabelos brancos, sentada, com movimentos limitados, Esmeralda se divide
entre Ipanema ou Sepetiba, onde fica contemplando o mar. Um mar de glórias.
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Aizita
Nascimento – Atriz e Apresentadora
Acima, Aizita Nascimento estrelando a capa de O Pasquim como a mulher mais sexy do Brasil; abaixo, desfilando pela escola de samba Mangueira, em foto da revista Manchete.
Aizita na revista Manchete (à esq.) e em um especial da revista Fatos & Fotos sobre os filmes que participaram do Festival de Cannes.
Aizita na revista Manchete (à esq.) e em um especial da revista Fatos & Fotos sobre os filmes que participaram do Festival de Cannes.
“Queremos a mulata! Queremos a mulata!
Queremos a mulata! ” Era o que se ouvia no concurso Miss Rio de Janeiro 1963,
num Maracanãzinho lotado, com mais de 25 mil pessoas. A torcida era para ela,
mas a bela Aizita Nascimento, inacreditavelmente, ficou em sexto lugar. Para os
jornalistas presentes aquele foi o concurso mais emocionante até então, como consta
no site Passarela Cultural, de Daslan Melo Lima.
O sorriso de Aizita era tão contagiante
que o mesmo ganhou até crônica do jornalista e escritor Henrique Pongetti. Ela
não venceu, mas ganhou muito mais fama do que Vera Lúcia Maia, filha da cantora
Nora Ney, escolhida a miss da vez. No ano seguinte, em 1964, Aizita se lança
como cantora e grava um disco compacto pela RCA. Em pouco tempo era requisitada
para participar do concurso de beleza As Certinhas do Lalau, organizado pelo
jornalista Stanislaw Ponte Preta, e fazer filmes e novelas na rede Globo.
Pouco? Nada. Em maio de 1970, depois de um tour pelo Leste Europeu com o conjunto
A Brasiliana, Aizita já declarava à revista Fatos
& Fotos na qual era capa: “Eu
sou gente, não quero ser estrela, longe de tudo e todos. ”
No entanto, brilhou no mesmo ano ao lado
de Sandra Bréa na peça de teatro de revista Aqui
Ó, no Teatro Poeira, em Ipanema. Dizem até que houve ciumeira entre elas
enquanto estavam rodeadas de plumas e paetês.
Ao lado de Jardel Filho, ganhou capa de
revistas quando atuaram na novela Assim
na Terra como no Céu, mas nada marcou
tanto sua carreira como quando participou da pornochanchada Como É Boa Nossa Empregada, de 1973, ao
lado de Jorge Dória e Carlos Mossy. “Ela era supertalentosa e a primeira a
chegar. Jamais deu trabalho à produção. Generosa e sempre alegre, item
importante em uma atriz, fazia todos rirem nos bastidores”, relembra para a J.P. o galã Carlos Mossy.
Em maio de 1974, Aizita é capa de O Pasquim, como sendo a primeira a
ganhar o título da mulher mais sexy do Brasil. Anos depois, em 1979, participa,
em São Paulo, da novela O Todo Poderoso, da Rede Bandeirantes, e, com
ares intelectuais, apresenta o programa Olhar
Eletrônico, na TV Cultura. Seu
cabelo black power, estilo da ativista Angela Davis, sempre foi uma das suas
marcas.
Formada em enfermagem pela escola Anna
Nery – desde os tempos do Miss Renascença -, um dia Aizita sumiu, não quis mais
saber de holofotes e se dedicou à profissão de enfermeira. Evita até hoje
entrevistas e, como uma verdadeira musa, deixa o mistério “que fim levou a musa
Aizita” no ar.
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Vou guardar a revista Joyce Pascowitch de fevereiro/2018, com muito carinho, ao lado de outras publicações que falam sobre misses. Dentro do que for possível, estarei sempre ao dispor de missólogos, jornalistas, historiadores e pesquisadores para resgatarmos as histórias das nossas misses eternas.
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Um comentário:
Mandou bem, Daslan!
Seu depoimento sobre as mulatas mais famosas dos antigos concursos de miss comprova ser um conhecedor profundo do tema. Ótima semana.
muciolo ferreira
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