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sábado, 23 de março de 2013

SESSÃO NOSTALGIA – Carta a Emília, Miss Brasil


Por Daslan Melo Lima


           
          Nos últimos dias de julho de 1955, a famosa revista O Cruzeiro, a publicação mais lida do Brasil na época, chegava às bancas com uma tiragem de 630.000 exemplares, trazendo como uma das chamadas da capa o 36º Congresso Eucarístico Internacional, evento católico realizado no Rio de Janeiro, e como ilustração o conjunto infantil, também católico, Canarinhos de Petrópolis. Na secção da escritora Rachel de Queiroz (1910-2003), chamada “Última Página”, localizada exatamente na última página de O Cruzeiro, a sua crônica intitulada Carta a Emília, Miss Brasil, era dedicada à cearense Emília Barreto Corrêa Lima, Miss Brasil, representante brasileira no Miss Universo 1955, realizado em Long Beach, concurso vencido pela sueca Hillevi Rombin (1933-1996).

Emília Corrêa Lima, Miss Ceará, Miss Brasil, semifinalista no Miss Universo 1955.
           Eu tenho no meu acervo um exemplar daquela revista e quero compartilhar a relíquia com todos os meus leitores. Abaixo, a crônica de Rachel de Queiroz, transcrita exatamente como se encontra em O Cruzeiro,  de 30/07/1955, respeitando a ortografia em vigor nos anos cinquenta. O texto é um verdadeiro poema em prosa, lindo, terno, humano, místico, sábio, filosófico... Uma pérola que vale a pena conferir.

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CARTA A EMÍLIA, MISS BRASIL

Rachel De Queiroz

Minha flor:

          Quando esta carta sair impressa você talvez já esteja a caminho da América, para a disputa do grande título. É que eu ando por longe, metida no sertão da sua e minha terra, o que dificulta a rapidez das comunicações; mas palavras de amor nunca são demais nem tardias, e são justamente palavras de muito carinho que lhe posso dizer.
          Faz algum tempo que não a vejo. A última vez foi em sua casa; - você e Iaci, de saída para um cinema, creio, se entremostraram ràpidamente na porta da sala, para se fazerem apreciar pela “tia” que chegava de viagem. E reparei logo nessa sua esbelteza de galgo ou de garça, que é talvez o maior dos seus encantos. Nesta nossa terra de brevilíneas, você, longilínea perfeita, é uma maravilhosa exceção. Porém, em lugar da sua beleza e da beleza de sua irmã, igualmente tão linda, o que a família quis comentar foram os seus triunfos de estudiosa, tão de acôrdo com as tradições dos Barreto e dos Corrêa Lima; as famílias sofrem essa preocupação de subestimar a beleza das suas moças. Têm medo de que elas fiquem por demais vaidosas, que percam o amor da virtude e dos estudos, pelo amor da bonita cara e do bonito corpo.
          Felizmente, minha querida Emília, você não se deixou iludir pelas boas intenções dos de casa, e ao invés de tratar apenas de estudar, não se despreocupou de ser bonita. Teve a inteligência de dar valor a esse dom sobre todos os dons, que é a beleza. Sim, não acredite nunca quando lhe disserem que beleza é um acidente que não tem valor, que não dá felicidade, que mais vale inteligência, etc. Isso são chavões nascidos do desejo e da necessidade de consolar os feios. Uma bela mulher é uma perfeita obra de arte. Seja bonita com orgulho, com tranqüilidade, com segurança; cuide bem do seu rosto e do seu corpo, pois nada neste mundo vale mais do que a beleza. Quando eu tinha a sua idade, recebi um prêmio literário. (Recordo isso porque seu pai, então no Rio, no entusiasmo fraternal pela estreante, foi o meu melhor eleitor.) Pois, querida, não êsse modesto prêmio, destinado a estimular uma principiante, mas todos os prêmios literários deste mundo, até o Nobel, eu o daria de bom-gôsto para ser bonita como você o é.
          Eles dizem que não há mérito em ser bonita. Claro. Como não há mérito em ser inteligente, nem em ter bom caráter, nem em ser um gênio musical, nem um maravilhoso poeta. Manuel Bandeira, que foi um dos seus juízes, já nasceu com o dom divino; e com êle nasceu o seu poeta predileto, Carlos Drummond de Andrade. Tudo são dons, dons gratuitos, que se recebem da fonte de todos os dons. Valerão eles menos por isso? E a beleza, entre os dons, é o mais alto de todos: o maior elogio que se pode fazer a uma realização, a uma paisagem, a um poema, é dizer que são belos. Por que a beleza é a coroa que os completa. Nem a virtude se concebe sem beleza, nem a divindade. Não só os deuses dos pagões eram belos: a própria Igreja, dentro da sua austeridade, pinta os santos formosos. Alguém poderia imaginar Nossa Senhora feia? E Cristo, se viesse ao mundo na figura de um homem malformado, não seria até uma profanação? Vi outro dia o retrato autêntico de Santa Teresinha no seu leito de morte: era uma mulher de feições severas, nariz forte, rosto descarnado e precocemente envelhecido. Mas a agiografia oficial jamais permitiu que a reproduzissem assim e, em todas as imagens do culto, Santa Teresinha nos é apresentada como uma jovem de angélica beleza. (E digo angélica, porque os anjos são também padrões de formosura). Por que isso? Não será por frivolidade que a Igreja assim se empenha em tornar seus santos; será antes porque, com o seu profundo conhecimento do coração humano, sabe que a beleza atrai o amor e a devoção. Porque a beleza é como um sêlo de Deus.
        Filha de uma mulher muito linda, sempre adorei a beleza de minha mãe. Contam os de casa que um dia – eu teria uns seis anos - ela me pôs de castigo por motivo que me pareceu imerecido. E ao jantar, horas depois, ainda zangada com a injustiça, eu disse, encarando-a: “Só fico morando aqui porque você é bonita. Se você fosse uma mãe feia, eu fugia de casa”. Ela era também muito inteligente mas, agora que a perdi, o que mais lembro da infância, da mocidade, de todos os tempos em que vivemos juntas, é aquêle rosto formoso, que enchia a nossa casa como uma luz. E ao escrever estas palavras, sinto uma saudade tão grande, parece que uma coisa rebenta dentro do meu peito, e talvez eu não a tivesse amado tanto se ela não fosse tão linda. Nós nos orgulhávamos daquela beleza como de um tesouro de família, e a condição de seus filhos nos parecia um privilégio. Para nós era uma rainha.
          Você foi escolhida a mulher mais bela do Brasil. É um grande título, não acredite em quem lhe deprecie o valor, nunca desdenhe o seu dom maravilhoso. Todos lhe queremos bem por isso, lhe somos gratos por ter nascido e se criado tão bonita, nos orgulhamos de você. Se na América não lhe derem o título máximo, é porque os cegos são êles. Não viu que no ano passado, em lugar da nossa radiante Martha Rocha, prefeririam aquela pequena escocesa de lábios finos?
          Aqui ficamos, numa ansiosa torcida. Mas, volte você ou não com a faixa atribuída a Miss Universo, de qualquer forma será a nossa Miss; a única que nos agrada e igualmente nos encanta, Emília Barreto Corrêa Lima, a Miss Maguari, a Miss Ceará, a Miss Brasil.

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          Sem prejuízo da essência do primoroso texto de Rachel de Queiroz, desejo fazer duas pequenas correções na crônica. Manuel Bandeira (1886-1968) foi jurado do Miss Brasil em 1954 e não em 1955, enquanto Martha Rocha perdeu o título para Miriam Stevenson, norte-americana e não escocesa.


Emília Corrêa Lima, Miss Brasil 1955, na capa da revista Manchete.

          Emília Barreto Corrêa Lima é um nome que orgulha a memória do concurso Miss Brasil. Reinou com classe, elegância, e após o reinado casou, teve filhos, netos,  e hoje é uma tranquila viúva que mora no Rio de Janeiro. 

           Neste outono de 2013 que teve início há poucos dias, gostaria que todas as aspirantes aos tronos dos cobiçados reinados da beleza brasileira e seus coordenadores mergulhassem nesta Carta a Emília e refletissem nas sábias palavras de Rachel de Queiroz, “porque a beleza é  como um selo de Deus.”

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5 comentários:

Anônimo disse...

O texto é muito bonito.
Parabéns por ter compartilhado esta crônica da escritora Rachel de Queiroz dedicada a uma grande Miss Brasil.

C.Rocha de Floripa

Anônimo disse...


Daslan,

o que posso acrescentar sobre essa Sessão Nostalgia é que sinto muitas saudades do tempo em que as misses como Emília Corrêa Lima eram belas naturalmente. Daí a poetisa e escritora Rachel de Queiroz comparar a beleza dela como a formosura dos anjos. Porque as misses das três últimas décadas possuem rostos tão plastificados que parecem um extraterrestre.

Muciolo Ferreira
Recife-PE

Silveira/Pel disse...

Comprava semanalmente a revista O Cruzeiro. A leitura das crônicas de Raquel de Queiroz na última página da revista é algo que nunca deixei de fazer. E esta, dedicada à Emilia, parece que foi escrita para ser lida mais de seis décadas depois, quando, para muitos, a beleza física passou a ser visto como algo vergonho, menor.

Quando até alguns apreciadores dos concursos de beleza passaram a afirmar que o MU e outros certames similares deixaram de ser predominantemente de beleza. acho que um resumo desta crônica maravilhosa devia ser publicada em nosso voy azul.

Por favor, Daslan, faça isso. Nós, os apreciadores desse tipo de concurso, não podemos assistir de braços cruzados estes certames definhando ano após ano, e serem totalmente descaracterizados, em nome de sua modernização.

O futebol, por exemplo, que é um esporte que fascina multidões por este mundo afora, tem suas regras básicas conservadas desde sua criação, apenas com pequenos ajustes, o que é perfeitamente válido e natural. Mas ninguém jamais cogitou que o gol, ponto culminante desse esporte, em vez de feito com os pés, deveria passar a ser concretizado com as mãos, em nome de sua pretensa modernização. Mas os donos atuais do MU passaram a achar que beleza não é mais prioritária, que ela pode ser levianamente substituída por oratória em inglês, por projeto social, por história de vida commovente.Tudo isto pode ser, sim, coadjuvante, desde que eles não deixem de considerar beleza como prioritário, como fundamental.

Silveira/Pel, 15 de maio de 2019

DASLAN MELO LIMA disse...

Grato por seu comentário, Silveira/Pel. Esta pérola de carta já foi publicada no MBONB, o voy azul.
Como o texto é atemporal, oportunamente postarei mais uma vez.
Um abraço.
Daslan Melo Lima

Anônimo disse...

O texto de Rachel de Queiroz é lindissimo. E a Passarela Cultural sempre inspiradora. Parabéns, Daslan!

(Quintino Medeiros)